Mudou o paradigma, e é bom que isso tenha acontecido, superamos essa discussão inútil, estéril, ideológica sobre as privatizações que dominou as últimas eleições presidenciais. Mas será que conseguiremos sair mesmo desse impasse vazio? Pela reação dos petistas, parece que não. Estão todos na defensiva, tentando explicar que "concessão" não é o mesmo que "privatização", uma discussão semântica ridícula.
Concessão tem a ver com o tipo de serviço que o Estado vende. Serviços públicos como rodovias, Distribuição de energia elétrica - um monopólio natural - só podem ser vendidos via concessão.
No governo Fernando Henrique ou neste, as privatizações desses setores tiveram de ser feitas por concessão por prazo determinado, não poderiam ter sido feitas de outra maneira.
É o artigo 175 da Constituição que define: "serviços públicos são concedidos ou explorados diretamente pela União".
Por isso, na telefonia, o que era serviço público foi concedido, o que não era foi vendido. O que define se é privatização ou não é o controle, e os consórcios que venceram o leilão dos aeroportos terão o controle das operações.
A Infraero será minoritária e, mesmo assim, entrou nessas privatizações como um arranjo político, para os petistas poderem dizer que o governo ainda tem uma ingerência no setor.
Considerados de "segurança nacional", os aeroportos demoraram a ser privatizados, causando um grande transtorno à população, por questões ideológicas anacrônicas, e hoje alguns petistas tentam justificar a decisão dizendo que o espaço aéreo ainda continuará sendo controlado pela Aeronáutica.
O que há de ruim nessa privatização é que não foi feito um planejamento de reestruturação do sistema aeroviário brasileiro.
Por exemplo, é preciso aperfeiçoar as ligações entre São Paulo, Rio e o Nordeste, e o aeroporto internacional do Rio ainda não foi licitado, nem nenhum do Nordeste.
Minas é outro estado fundamental na malha aérea brasileira que ficou para depois. A ampliação dessa rede aérea exigirá também controladores de voos bem treinados, e isso não temos nem na quantidade suficiente para atender às nossas demandas atuais.
O que o governo está fazendo, no momento, é vender os ativos sem ter uma lógica para o país, com o objetivo de garantir as obras para que tenhamos um mínimo necessário para sediar a Copa do Mundo.
Com o risco de manter uma gestão ruim se a Infraero tiver influência política nos consórcios.
Quando as telecomunicações foram privatizadas, no governo Fernando Henrique, houve uma reorganização do sistema.
Outra alteração importante, a se registrar nessa mudança de paradigma, foi a de usar o preço de outorga mais alto para definir o vencedor.
Quando fizeram as primeiras concessões de rodovias, com Dilma ainda à frente da Casa Civil, os petistas festejaram a "mudança de critérios".
Exigiram tarifas mais baixas, para supostamente beneficiar o usuário, e deu no que deu: as obras nessas rodovias não saem do lugar, pois o pedágio não cobre os custos e mais os investimentos, mas a agência reguladora não retoma as concessões apesar de ninguém cumprir os editais.
O PT utilizou os mesmos métodos do PSDB, os fundos de pensão entraram firme na parceria, pois precisam de bons investimentos. E o governo usou o BNDES para garantir o financiamento dos vencedores.
A única diferença foi a manutenção da Infraero no controle de 49% dos aeroportos, espécie de concessão aos petistas contrários às privatizações, mas nada indica que esse seja um bom caminho, pois a Infraero não controlará os aeroportos e ainda terá que arcar com uma parte substancial dos investimentos, para o que não tem recursos.
O governo não tem dinheiro para investir em aeroportos, em infraestrutura, assim como não tinha dinheiro para desenvolver a Vale.
A presidente Dilma, quando ainda era candidata, disse célebre frase em encontro com intelectuais no Rio: "Fazer concessões no pré-sal é privatizar, é dar a empresas privadas um bilhete premiado."
Muito aplaudida, ela fingiu que não sabia - e é provável que a plateia que se maravilhou com sua afirmação não soubesse - que o governo Lula já licitara, utilizando o sistema de concessão, vários blocos do pré-sal.
Com relação à Vale, é importante relembrar a história de como o governo petista não quis reverter a privatização por razões técnicas.
Em 2007, o deputado Ivan Valente (PSOL) fez projeto nesse sentido, analisado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara.
O relator foi José Guimarães (PT), aquele mesmo cujo assessor foi apanhado com dólares na cueca num aeroporto na época do mensalão. Pois seu voto foi pela rejeição ao projeto, alegando em primeiro lugar que "não há como negar que a mudança das características societárias da Companhia Vale do Rio Doce foi passo fundamental para estabelecer uma estrutura de governança afinada com as exigências do mercado internacional, que possibilitou extraordinária expansão dos negócios e o acesso a meios gerenciais e mecanismos de financiamento que em muito contribuíram para este desempenho e o alcance dessa condição concorrencial privilegiada de hoje".
Segundo o petista, "a privatização levou a Vale a efetuar investimentos numa escala nunca antes atingida pela empresa, (&) o que, naturalmente, se refletiu em elevação da competitividade da empresa no cenário internacional".
Guimarães assinalou que, com a privatização, a Vale fez seu lucro anual subir de cerca de US$ 500 milhões em 1996 para aproximadamente US$ 12 bilhões em 2006. Em 2010, o lucro da empresa foi de US$ 30 bilhões .
Também a arrecadação tributária da empresa cresceu substancialmente: em 2005, a empresa pagou R$ 2 bilhões de impostos no Brasil, cerca de US$ 800 milhões ao câmbio da época, valor superior em dólares ao próprio lucro da empresa antes da privatização. Em 2011, só de uma disputa judicial que perdeu, a Vale pagou cerca de R$ 6 bilhões em impostos atrasados.
O Globo, 9/2/2012