O dia histórico em que o ex-todo-poderoso ministro petista José Dirceu foi condenado por corrupção ativa pelo Supremo Tribunal Federal foi marcado pelas atitudes de dois ministros, ambas marcantes no transcurso do julgamento. Dirceu entra para a História desta vez pela porta dos fundos, enquanto a ministra Cármen Lúcia diz que não está a julgar o passado de Genoino, também condenado, mas sua atuação nos crimes relatados nos autos.
Cármen Lucia, de quem Dirceu tinha esperanças de receber a absolvição, não apenas o condenou como registrou sua estupefação diante da defesa do advogado Arnaldo Malheiros, que tratou o que chamou de caixa dois eleitoral como se fosse uma coisa normal na atividade política.
O STF destruiu a trama, que o ex-presidente Lula defendeu até recentemente, de que o caixa dois explicaria a distribuição de dinheiro feita pelo PT, e ontem Cármen Lúcia, que por coincidência preside agora o Tribunal Superior Eleitoral, chamou a atenção para a desfaçatez do advogado que, diante da Corte mais alta do país, confessou crime de seu cliente como se tal fato não gerasse consequências:
“Não pode chegar aqui e dizer: ‘Ora, não declarou porque era ilícito.’ O ilícito não é normal. Ora, caixa dois é crime, é uma agressão à sociedade brasileira”, reagiu com indignação a ministra, que disse que essa atitude a convenceu de que o esquema que havia sido montado era muito maior do que aparentava.
Já Marco Aurélio Mello demonstrou a sua indignação através da ironia, como vem fazendo em vários momentos neste julgamento. Ele voltou a desmontar a tese do revisor Ricardo Lewandowski, segundo quem não havia assinatura de José Genoino em conjunto com Marcos Valério nos empréstimos. Marco Aurélio citou a página do processo em que havia o fac-símile do documento em que os dois aparecem juntos, Valério avalizando um título do PT assinado por seu presidente, Genoino.
A certa altura, sem resistir aos argumentos pífios do revisor que transformara Delúbio Soares em maior responsável pelo esquema nem mesmo Dias Toffoli, que também absolveu Dirceu, absolveu Genoino, elevando um pouco acima o nível de responsabilidade pelos crimes, Marco Aurélio comentou: “Tivesse Delúbio Soares a desenvoltura intelectual e material a ele atribuída, não seria somente tesoureiro do partido. Quem sabe teria chegado a um cargo muito maior. Apontar Delúbio como bode expiatório como se tivesse autonomia suficiente para levantar R$ 60 milhões já não sei mais a quantia e distribuir esses milhões, ele próprio definindo os destinatários, sem conhecimento da cúpula do PT? A conclusão subestima a inteligência mediana”.
Definida a culpabilidade de Dirceu, Genoino e Delúbio, o chamado núcleo político do PT na ocasião dos crimes, ficará para o final a decisão sobre a pena de cada um. Quando chegar a ocasião em que o Tribunal definirá os critérios, serão levadas em conta normas do Código Penal, que manda analisar a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente.
É agravante, por exemplo, o fato de o crime ser cometido “com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão”.
Outro tipo de crime, pelo qual o núcleo político petista ainda será julgado, é o de formação de quadrilha. Já há quatro votos, em item anterior, contra a tese da quadrilha em relação aos políticos de partidos aliados envolvidos no julgamento.
Caso se mantenha a posição dos demais ministros, Dirceu, Genoino e Delúbio deverão ser condenados por 6 a 4, o que lhes permitirá, em tese, embargos infringentes para questionar a decisão. Mas Dirceu, apontado pelo Ministério Público como o “chefe da quadrilha”, pode ter a pena agravada, pois há uma disposição na legislação criminal em relação a quem “promove ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes”.
O maior problema dos condenados por corrupção ativa é que eles foram acusados de “concurso material”, o que significa que as penas são somadas.
Dirceu, por exemplo, foi condenado por nove crimes. Assim, se pegar a pena mínima de dois anos (a máxima é de 12) o que é improvável pela importância do cargo que exercia na ocasião, deverá ser condenado a 18 anos e terá que cumprir pena em regime fechado por pelo menos três anos.