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Dilma é a responsável

 

O Tribunal de Contas da União (TCU) pode não ter agradado a todos com a decisão de dar mais 30 dias para que a própria presidente Dilma dê explicações sobre as irregularidades encontradas nas contas públicas de 2014, mas, ao contrário do que os descontentes possam imaginar, essa decisão, além de significar uma mudança de atitude do TCU, coloca a presidente como responsável direta pelas irregularidades. Isto é, a aproxima mais ainda de um eventual processo de impeachment caso não consiga explicar o que parece inexplicável à luz da lei.

Em vez de transferir a culpa para o ex-ministro Guido Mantega ou para o ex-secretário do Tesouro Arno Agostin, agora cabe à própria presidente assumir a defesa de suas contas e, em consequência, se vierem a ser rejeitadas como indica o relatório de Nardes, ela será responsabilizada por crimes contra a Lei de Responsabilidade Fiscal e outros desvios nas contas públicas.

O ministro Augusto Nader tinha a disposição de rejeitar as contas, mas temia a divisão do plenário. Além do mais, soube que o Palácio do Planalto já se preparava para ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) alegando que não tivera amplo direito de defesa, aproveitando-se de um antecedente, quando o governador de Pernambuco Miguel Arraes conseguiu derrubar uma decisão do Tribunal de Contas do Estado contrária a suas contas.

Embora o TCU tenha ouvido 17 pessoas, entre ministros e assessores de primeiro escalão, sobre as “pedaladas” fiscais, novas descobertas sobre as contas públicas foram incluídas no relatório, como: Ausência de uma lista de prioridades da administração federal na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2014; Pagamento de dívida contratual junto ao FGTS sem autorização orçamentária no ano de 2014; Excesso de recursos, para além dos valores aprovados, por parte da Amazonas Distribuidora de Energia, Araucária Nitrogenados, Boa Vista Energia, Energética Camaçari Muricy I (ECM I) e Petrobras Netherlands, além da Telebrás, Transmissora Sul Litorânea de Energia S.A. (TSLE) e Furnas; Pagamento de despesa sem previsão no orçamento de investimentos pelas empresas públicas Araucária Nitrogenados S.A., ECM I e TSLE; Ausência de contingenciamento de R$ 28,54 bilhões em decreto presidencial de novembro de 2014.

Até mesmo a negociação para que as metas de superávit não alcançadas fossem alteradas pelo Congresso está apontada no relatório de Augusto Nardes como “utilização da execução orçamentária para “influir” na aprovação pelo Congresso de alteração na legislação que permitiu ao governo não cumprir meta de superávit primário em 2014”. 

Todas essas irregularidades ferem a Lei Orçamentária e a própria Constituição. Como elas não foram tema das audiências com as autoridades da área econômica, que só se pronunciaram sobre as chamadas “pedaladas” fiscais, optou o relator pela cautela diante da possibilidade de a decisão do TCU ser neutralizada pelo STF.

As pressões do Palácio do Planalto para que o TCU fizesse como sempre, ou seja, aprovasse as contas com ressalvas, só seriam contidas por uma contrapressão da oposição, e o encontro de Nardes com representantes dos partidos oposicionistas aconteceu depois que as angústias do relator chegaram ao conhecimento de seus líderes.

Da mesma maneira, a única alternativa para unir o plenário do TCU foi adiar a decisão sem, no entanto, deixar de apresentar seu parecer, como queria o governo. A distribuição da íntegra do relatório, que tem mais de 500 páginas com gráficos e análises detalhadas de diversos pontos, foi também uma maneira de impedir que o sentido do relatório ficasse encoberto pelo adiamento.

A esta altura não há dúvidas de que o relatório do TCU é pela rejeição das contas de 2014 do governo, e os erros e fraudes nele apontados são da responsabilidade pessoal da presidente Dilma, que terá que explicar suas razões por escrito. 

A partir de seus argumentos técnicos, e “outros argumentos” que porventura sensibilizem seus julgadores nesses 30 dias, saberemos se o país que queremos é o país em que o Executivo manipula o orçamento a seu bel-prazer, sem levar em conta as leis e a Constituição. A última palavra será dada pelo Congresso, que não analisa as contas do governo desde 2002, outra anomalia que poderá ser corrigida desta vez.

O Globo, 18/06/2015