A decisão do presidente do PSB, governador Eduardo Campos, de adiar "até junho" uma decisão oficial sobre quem seu partido apoiará na campanha para a Prefeitura de São Paulo mostra bem a dificuldade que o PT terá para montar uma coalizão partidária que dê suporte à por enquanto frágil candidatura do ex-ministro Fernando Haddad.
É sintomático que os governistas já estejam na defensiva, colocando vários de seus atores principais para defender Haddad das críticas quanto ao chamado "kit-gay" que o Ministério da Educação queria distribuir nas escolas, provocando grande rejeição na sociedade mais conservadora, especialmente entre os evangélicos.
O senador Marcelo Crivella, sobrinho do bispo Edir Macedo, da Igreja Universal, que foi alçado ao Ministério da Pesca com o objetivo duplo de acalmar os evangélicos e retirar da corrida paulistana o candidato do PRB, Celso Russomanno, já disse que Haddad jurou a ele que não fora o responsável pelo "kit-gay", como se uma empresa terceirizada tivesse poderes de definir programas ministeriais.
Também o ex-ministro José Dirceu, para defender a candidatura de Fernando Haddad, saiu com ataques a "setores evangélicos" que quereriam provocar um retrocesso nas políticas sociais do governo, co-locando lenha na fogueira da briga entre petistas e evangélicos.
A primeira pesquisa de opinião divulgada depois que o ex-governador José Serra decidiu entrar na disputa teve o duplo papel de reforçar sua posição internamente no PSDB, desidratando os pré-candidatos que ainda insistem em disputar as prévias, e ao mesmo tempo enfraquecer a candidatura de Fernando Haddad, que aparece com 3% de preferência.
A pesquisa do Instituto Datafolha mostra claramente que, por enquanto, a única expectativa de força do petista é a influência que Lula pode vir a ter na campanha paulistana.
O ex-presidente da República tornou-se o mais forte cabo eleitoral da eleição na capital paulista, com 44% de eleitores admitindo que podem vir a votar em quem ele apoiar.
O Datafolha fez um cálculo dessa influência com os índices de Haddad no momento e chegou à conclusão de que ele pode chegar a números próximos a 40%, o mesmo acontecendo com Serra, que tem no governador Geraldo Alckmin um valioso apoiador na capital e aparece nessa primeira pesquisa com 30% de preferência.
Haddad tem, no entanto, que conseguir um tempo de televisão grande o suficiente para ser apresentado ao eleitor paulistano, que praticamente o desconhece. Serra, por sua vez, trabalha para que o PT tenha o menor tempo possível e simultaneamente tenta ampliar sua coligação com partidos que, a nível nacional, estão na aliança governista, mas têm interesses eleitorais distintos nas eleições municipais. Ele também precisa de um bom tempo de televisão para tentar reduzir seu índice de rejeição e reverter a má avaliação que hoje a prefeitura de Kassab tem.
É o caso do PSB, cujas bancadas estadual e municipal preferem apoiar José Serra e já estão integradas nas administrações de Kassab na prefeitura e de Alckmin no governo estadual.
É o caso também do PDT, que pode lançar Paulinho da Força como candidato, e do PMDB, que tem no deputado federal Gabriel Chalita sua melhor aposta, inclusive para tentar chegar ao segundo turno podendo contar ou com o apoio de Alckmin contra o PT se o PSDB não estiver disputando; ou com o do PT contra os tucanos se a situação inversa ocorrer.
É pouco provável, no entanto, que o PMDB abra mão dessa possibilidade para ajudar o PT paulista-no, pois a disputa por espaços políticos está intimamente ligada aos resultados das eleições municipais deste ano.
O que o presidente da Câmara, o petista Marco Maia, chamou de "TPE" (tensão pré-eleitoral) na verdade é uma tensão política que se agrava a cada disputa de poder entre PT e PMDB, o que torna cada vez mais difícil uma convivência pacífica entre os dois principais partidos da coligação.
As dificuldades só aumentarão à medida que o ex-presidente Lula, o grande mentor dessa coalizão governamental tão esdrúxula, afaste-se das negociações para tratar de sua saúde.
Enquanto Lula não estiver em condições físicas de manter longas conversas políticas para amarrar as pontas de acordos, a candidatura de Haddad permanecerá congelada, à espera de uma definição.
Não é à toa que lideranças petistas, incomodadas com a imposição, mas sem condições políticas de criticar Lula, começam a falar até mesmo em abrir mão da cabeça de chapa para apoiar o candidato do PMDB.
Na verdade o que esses grupos querem é ressaltar a fragilidade política de Fernando Haddad para fortalecer a única candidata que é capaz de enfrentar José Serra em boas condições de largada, a senadora Marta Suplicy.
A pergunta que não quer calar nos meios petistas é se Lula terá condições físicas para entrar na disputa como estava disposto antes de o câncer na laringe surgir e todas as complicações provenientes do tratamento.
Essa incerteza tem provocado muitas reflexões dentro do PT, que sabe que o futuro do governo Dilma, da coligação governamental e de sua performance nas eleições municipais deste ano dependerá de Lula estar em condições de subir em palanques para pedir votos para os seus candidatos, ao mesmo tempo em que garante o futuro da coalizão com a expectativa de permanência no poder com a reeleição de Dilma, com sua bênção.
O Globo, 6/3/2012