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Difícil de engolir

 

A tese improvável de a execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes não ter tido motivação política nem mandante, apenas pelo ódio de um miliciano à atuação da vereadora, faz a apresentação de novos dois suspeitos parecer uma peça de ficção. Uma versão difícil de engolir.

O delegado Giniton Lages, da Delegacia de Homicídios da Capital, que deu a coletiva de imprensa em que as investigações foram apresentadas, disse que não tem “a mínima idéia” se houve mandante, e qual sua motivação. É o mesmo que o miliciano Orlando de Curicica acusou de tê-lo coagido a confessar o crime em troca de proteção à sua família.

O governador Wilson Witzel, que liderou a entrevista, é o mesmo que, em comício em Petrópolis durante a campanha, aparece em um vídeo comemorando a destruição de uma placa com o nome da vereadora.

 O mesmo também que, ao assumir o governo em janeiro, retomou velhas práticas políticas. Ao mesmo tempo em que colocava a segurança pública como prioridade, apoiando uma legislação que permita o abate de bandidos armados, atendia pedidos políticos para nomear delegados e comandantes de batalhões, sistema que havia sido abolido pela intervenção militar na segurança pública do Rio, que se encerrou em janeiro.

 Tanto o general Braga Netto, interventor federal, quanto o general Richard Nunes, então secretário de Segurança do Rio, criticaram o fim da Secretaria de Segurança, decisão que foi de encontro à reestruturação das forças policias que estava sendo feita. 

O General Richard, que hoje é chefe de gabinete do comandante do Exército, foi espionado por um dos milicianos presos, segundo a investigação da polícia. 

Apenas a hipótese de que o crime não teve mandante, ou tenha sido um crime de ódio, sem implicações políticas, levaria à conclusão de que o crime organizado que domina comunidades pobres, subjugando cerca de 1,7 milhão de pessoas, passou a um estágio mais descontrolado de crime desorganizado, o que piora em muito a situação.

Tudo indica, porém, que a relação do crime organizado com a política foi exacerbada no Rio nos últimos tempos. Em decorrência natural da dominação de territórios, controla votos em certas regiões do Estado e ganha condições de fazer indicações para cargos, inclusive os responsáveis por delegacias policiais ou comandantes de batalhões da Polícia Militar. 

O trabalho de reorganização das polícias corre o risco de se perder pela adoção das antigas práticas clientelistas, que dão sinais de retornar. O caso da investigação do assassinato da vereadora Marielle é exemplar.
Quando o ministro da Segurança Pública, Raul Jungman, combinou com Raquel Dodge que a Polícia Federal entraria no caso, o Ministério Público estadual foi ao Conselho Nacional do Ministério Público contra a decisão, e conseguiu apoio para impedir a atuação da Polícia Federal.

Jungman deu orientação para que a Polícia Federal passasse informações que tivessem sobre o caso para a polícia do Rio de Janeiro, o que aconteceu. Mas a PF nunca recebeu informações sobre as investigações, nem foi chamada a participar das reuniões da força tarefa do Rio.

Depois de seis meses sem resultados, Jungman, como todos achavam que o Ministério da Segurança Pública, através da Polícia Federal, estava à frente das investigações, resolveu dizer publicamente que a Polícia Federal tinha condições de assumir as investigações. Novamente o Ministério Público do Rio recusou a colaboração.

A Procuradora-Geral da República Raquel Dodge, interessada em que as investigações prosperassem, diante da reiterada recusa do Ministério Público do Rio, propôs que a Polícia Federal entrasse no caso para “investigar a investigação”.

Houve muita reação, mas hoje existe uma força tarefa da Polícia Federal trabalhando no caso, que já pediu quebra de sigilo telefônico de 30 pessoas, e de sigilo bancário de outras 80. É desse trabalho que pode vir o esclarecimento mais importante: quem mandou matar Marielle, e por que.

O Globo, 13/03/2019