Diante da reação negativa na opinião pública que a manutenção das coligações proporcionais e a aprovação de cláusula frouxa de (mau) desempenho provocaram, o presidente da Câmara Eduardo Cunha já anuncia uma nova rodada de votações para tornar mais rígidas as regras de acesso ao Fundo Partidário e à propaganda eleitoral de rádio e televisão, com critérios mais consentâneos com a moderna democracia representativa.
Paralelamente, o Supremo Tribunal Federal vai atuando pontualmente aqui e ali, emitindo sinais de que está atento às manobras políticas que se desenvolvem no Congresso. A permissão para que empresas possam financiar os partidos políticos nas campanhas eleitorais foi colocada na Constituição, nesse arremedo de reforma política em curso, justamente por que o STF estava decidindo sobre o tema, já com um resultado dado a favor da proibição desse financiamento.
Não há como negar que o tema deve ser analisado pelo seu teor constitucional, como definiu o ministro Luis Roberto Barroso: “A inconstitucionalidade, portanto, não está na possibilidade de empresas participarem com recursos financeiros do processo político, mas na total ausência de quaisquer limitações minimamente efetivas. Não se trata, consequentemente, de uma questão ideológica ou de opção institucional, mas sim de decência política e moralidade administrativa (CF, artigo 37)”.
A regulamentação a ser feita pela Câmara, portanto, será fundamental para que a participação de empresas nas eleições esteja de acordo com as regras democráticas. Há, no entanto, um indício ruim já de saída, quando se constata que foi retirada do texto votado a ressalva de que qualquer arrecadação só poderia começar a ser feita após a definição legal do teto, que constava do relatório do deputado Marcelo Castro na comissão que foi dissolvida.
Da mesma maneira, a manutenção das coligações proporcionais pode ser analisada pelos efeitos que provoca no resultado das eleições, distorcendo a vontade do eleitor.
Como define o mesmo Barroso em seu voto no julgamento em que o Supremo decidiu que o mandato majoritário pertence ao candidato eleito, e não à legenda partidária, no voto proporcional, “havendo volumosa transferência de votos, e notadamente entre candidatos que se situam em pontos tão distintos do espectro político, o sistema entra em curto-circuito e se distancia do princípio da proporcionalidade da representação da Câmara dos Deputados (art. 45, caput, da CF/88) e da soberania popular (art. 1, § único, da CF/88)”.
O que está acontecendo neste momento no país é que não havendo uma liderança que se imponha aos demais partícipes do jogo democrático, as diversas instituições assumem seus papéis na tentativa de organizar a disputa política, uns com objetivos pessoais claros como o presidente da Câmara Eduardo Cunha, que detém hoje o controle das ações da Câmara mesmo que não vença sempre, outros com objetivos institucionais como o Supremo Tribunal Federal (STF).
A questão das cláusulas de desempenho para os partidos políticos, que é central para uma organização minimamente razoável de nosso espectro partidário, estava pactuada há mais de uma dezena de anos justamente para que os partidos pudessem se organizar a fim de cumpri-las quando entrassem em vigor.
Eram cláusulas perfeitamente aceitáveis para que um partido tivesse representação no Congresso, acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de propaganda no rádio e televisão. Exigiam aos partidos no mínimo cinco por cento dos votos apurados, não computados os brancos e os nulos, distribuídos em, pelo menos, um terço dos Estados, com um mínimo de dois por cento do total de cada um deles.
O Supremo, atendendo a uma ação de inconstitucionalidade do PC do B, decidiu que uma legislação ordinária não era o instrumento adequado para essa exigência, pois se sobrepunha à Constituição que noartigo 17, parágrafo 1º da Constituição Federal define que é “livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana (...)”.
Além disso, diversos ministros incluíram em seus votos a defesa das minorias, como se um partido político que não obtivesse votos suficientes para se fazer presente no Congresso estivesse sendo tolhido em seus direitos.
Aprovado em 1995, em plena democracia, pois, para entrar em vigor em 2007, o instrumento mais eficaz das democracias modernas para organizar sua representação congressual foi derrubado pelo STF, que hoje se ressente, através de diversos votos e pronunciamentos, de que a representatividade no Congresso está distorcida.
A retomada da análise de temas como as cláusulas de desempenho para, pelo menos, acesso ao Fundo Partidário e à propaganda gratuita é fundamental para dar um pouco de coerência a nosso sistema partidário.