A vitória por menos de 2% dos votos não apenas dá margem à desconfiança sobre a lisura do resultado na Venezuela como garante ao candidato oficial Nicolas Maduro apenas os primeiros 3 anos de mandato, e olhe lá. Isso por que no meio do mandato há a possibilidade de convocação de um “referendo revogatório” que pode tirá-lo do poder caso o governo não esteja agradando à maioria dos venezuelanos.
Sem a presença física de Chavez, não tendo surtido efeito o anúncio de que ele reencarnara em um passarinho, a revolução bolivariana, apesar de controlar os meios de comunicação e as instituições oficiais que organizam a eleição, perdeu, pelos números oficiais, cerca de 700 mil eleitores, enquanto o candidato oposicionista Henrique Capriles recebeu mais cerca de 600 mil votos a mais do que na última eleição presidencial, quando Chavez venceu o mesmo Capriles com uma vantagem de 12% dos votos.
Maduro venceu em 16 Estados, e Capriles em apenas 8, mas, como a diferença entre os dois ficou abaixo dos 2%, isso indica que o oposicionista venceu nos Estados mais populosos. Mesmo os chavistas mais ferrenhos admitem que parte de seu eleitorado absteve-se de votar, e outros passaram-se para a oposição.
O resultado mostra que Chavez já governava na base da retórica revolucionária, e que sem o seu carisma não foi possível impedir a explicitação de um descontentamento não apenas com os métodos revolucionários do chavismo, mas com os resultados do governo, vendidos como expressivos por seus áulicos, mas na verdade insuficientes para manter eternamente a população atrelada aos interesses do governo.
Se é verdade que a desigualdade foi reduzida e a pobreza combatida através das missões chavistas, também é verdade que a economia venezuelana sofre as conseqüências de uma política populista que é incapaz de manter os gastos sociais sem provocar efeitos colaterais terríveis como a altíssima inflação – cerca de 30% ao ano -,desabastecimento, déficit público e uma violência descontrolada nas grandes cidades, especialmente Caracas.
Além de sustentar as políticas assistencialistas, a estatal de petróleo PDVSA também garante uma política de subsídio do preço da gasolina que consome 10% do PIB, isso em uma empresa que sofre com o aparelhamento governista que lhe tira a competitividade e reduz a sua produção, que caiu 25% em relação ao que produzia há 14 anos, quando Chavez assumiu o poder.
A gasolina quase de graça fez com que o consumo tenha aumentado mais de 60% no período, o que obriga a Venezuela a importar o combustível, mesmo tendo uma das maiores reservas de petróleo do mundo. A escassez de mercadorias nos supermercados e a falta de energia elétrica e de água ora são atribuídas a um boicote das oligarquias, ora a atentados terroristas, quando não surge uma visão cor de rosa que “culpa” o aumento do poder aquisitivo dos mais pobres. Na verdade, trata-se de uma economia disfuncional.
Como a base de sua pregação política é não fazer acordos com a oligarquia, seguindo os passos de seu chefe, Nicolas Maduro vai ter dificuldade de montar um governo eficiente, ainda mais que enfrentará dissidências dentro da própria aliança chavista. Ele queria vencer por uma diferença maior que a que Chavez conseguiu na última eleição para se impor a seus adversários internos, mas obteve nas urnas uma derrota moral que o prejudicará tanto em relação à oposição, que sai fortalecida do confronto, quanto a seu próprio grupo político.
Assim como aconteceu entre a ausência de Chavez e o anúncio oficial de sua morte, Maduro governará sendo tutelado por um conjunto de forças no qual se destacam os militares. E a derrota moral do chavismo terá repercussões em toda a América Latina, onde o socialismo bolivariano estava deitando raízes. Não é à toa que foram esses os primeiros governos a acatar os resultados oficiais da Venezuela, inclusive o brasileiro.
O Globo, 16/4/2013