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À deriva

 

Foi-se o tempo em que Lula dava uma ordem e todos no PT o seguiam religiosamente. Bastou que recomendasse que o governo se apresse para retomar o crescimento econômico para que o ministro-chefe do Gabinete Civil Jaques Wagner declarasse que o governo “não tem coelho na cartola”, e que a recuperação da economia será gradual.

O mesmo Wagner que outro dia disse em alto e bom som que o PT “se lambuzou” no governo, em referência aos escândalos de corrupção. Há claramente uma ala petista que está tentando abrir espaço para uma espécie de autocrítica, em busca do eleitorado de classe média que foge do PT como o diabo foge da cruz, em confronto com outra, liderada por Lula, que quer uma guinada à esquerda, uma Carta aos Brasileiros às avessas, para garantir o apoio das chamadas “bases sociais”.

Lula ontem, na reunião que teve com a presidente Dilma e alguns ministros – o da Fazenda, Nelson Barbosa, foi barrado pelo próprio Lula – insistiu em mais crédito, menos juros, e mais capacidade de empréstimos para os Estados. Quer dizer, mais do mesmo, que nos levou onde estamos.

São duas posturas distintas, a dos que têm que tocar o que ainda resta do governo, e os que estão de fora querendo recuperar a imagem do PT no ano eleitoral. Não são propriamente dissidentes, apenas companheiros com estratégias diferentes diante da crise que os apanhou a todos de calças curtas.

Lula ainda pediu que PT e governo não lavem roupa suja publicamente, mas a cada pronunciamento da direção nacional do PT contra o ajuste fiscal e a favor de medidas populistas para uma recuperação da economia – até o uso das reservas cambiais está entre as propostas – fica claro que o coração do PT balança entre apoiar Dilma ou vê-la pelas costas.

Ao mesmo tempo, como dizia Leonel Brizola, vários fatos insinuam que a presidente Dilma está “costeando o alambrado”, isto é, preparando-se para se livrar do PT assim que possível. A sugestão do ex-ministro Cid Gomes, atualmente filiado do PDT, para que Dilma deixe o PT não parece fora de contexto.

Dificilmente as coisas acontecerão de maneira linear, mas à medida que a crise avança, é possível que aconteçam sem que ninguém possa controlá-las. O país está à deriva, cada um tentando salvar a sua pele, principalmente Lula, que depende da recuperação de sua popularidade para escapar do cerco da Operação Lava Jato.

E a popularidade dificilmente voltará com a economia em frangalhos. Talvez se livrar de Dilma seja mais barato para o lulismo, que voltaria para a oposição tentando convencer os incautos de que tudo será diferente com Lula novamente no poder em 2018.

Mas Jaques Wagner parece ter também planos de concorrer à presidência da República, e o modelo que está tentando usar é o de um líder de esquerda moderado, que sabe onde o partido errou e quer fazer a releitura política para recomeçar de novo.

Para isso tem que estar ao lado de Dilma, tentando superar a crise que estrangula o governo. Nesse ponto, a percepção de Lula está mais apurada, embora as conseqüências sejam catastróficas. O governo Dilma não tem mais tempo para fazer as maldades todas que têm quer ser feitas, e chegar em 2018 em condições competitivas para disputar a presidência da República.

O fato é que se tivéssemos aqui o sistema de recall que existe em alguns estados dos Estados Unidos, ou a convocatória, referendo chavista que tirará Maduro do governo nos próximos meses, Dilma já estaria fora do governo com uma derrota esmagadora.

A solução de Lula é irresponsável, mas para os interesses imediatistas que sempre foram sua prioridade, serviriam para desafogar o governo. A maioria defensiva que Lula sempre advogou para proteger-se de comissões parlamentares e, no limite, do impeachment, está se esvaindo no governo Dilma e ele próprio admite que se não for reorganizada até março, o impeachment torna-se uma saída viável para a oposição.

José Dirceu na cadeia já está lendo o livro de Fernando Henrique Cardoso alegando que o PSDB pode voltar ao poder “e é preciso saber o que eles pensam”. Como se não soubesse. Todos os sinais desencontrados entre o PT e o governo são reflexos da crise que não tem data para acabar, aumentando a possibilidade de esse governo acabar antes do tempo.

O Globo, 07/01/2016