"O Brasil está quebrado. Não posso fazer nada”. Sobre Manaus: “Fizemos o que foi possível”. “O que está acontecendo lá não tem nada a ver com o governo Federal”. São palavras de um homem que foi eleito presidente da República num país chamado Brasil e que, diante da maior tragédia humanitária já ocorrida no país, com pessoas morrendo asfixiadas, dentro da maior pandemia em um século, diz que nada pode ser feito, e lava as mãos.
Um governo tão anarquizado que pretendia mandar um avião à Índia buscar dois milhões de doses de uma vacina que não está disponível. Todo esquema oficial de vacinação foi por água abaixo, o Dia D, a Hora H do General Eduardo Pazuello foram atropelados pela incapacidade de organização do governo. Estivesse ele à frente das tropas aliadas que desembarcaram na Normandia, os alemães ganhariam a guerra.
O governo quer fazer crer que a culpa é do governo indiano, que atrasou a remessa. O fato é que a remessa de doses excedentes não existe ainda, depende da vacinação nacional na Índia. Essa tática de jogar nas costas de outros a culpa de seus erros fez com que o vice-presidente General Hamilton Mourão mais uma vezes atribuísse à “indisciplina” do povo brasileiro a impossibilidade de decretar um lockdown, como estão fazendo países em diversas partes do mundo.
A falta de disciplina, se é uma característica do brasileiro, tem razões históricas de que o atual governo é exemplar. O antropólogo Roberto DaMatta, autor do clássico “Sabe com quem está falando?”, que está sendo relançado, diz que isso se deve a “cinco séculos de escravidão”, em que a elite brasileira impõe suas regras sobre a maioria do povo, que em resposta vê a obediência como uma atitude subserviente. “Vivemos numa República em que ninguém é republicano”, analisa DaMatta, que lembra que respeitar as leis é considerado pela média nacional como “uma babaquice”.
O pedido dos tribunais superiores para que seus juízes e funcionários tivessem prioridade na vacinação é característica das vantagens dadas à elite brasileira, no país do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, diz DaMatta. Foi essa a frase que o ministro da Saúde repetiu para milhões de brasileiros depois de ter sido desmoralizado pelo presidente Bolsonaro, que vetou, por questões políticas, a compra da vacina Coronavac anunciada por ele no dia anterior.
A análise do Vice-presidente, Hamilton Mourão, na posição que ocupa, é uma autocrítica não intencional, pois faz parte de um governo que deixou a educação de lado, um dos fatores históricos dessa “indisciplina” do brasileiro. O que acontece no Brasil é que o cidadão comum recebe educação de má qualidade, quando recebe e, neste governo, continua recebendo também péssimos exemplos.
Como fazer lockdown num país em que o próprio presidente diz que não é necessário, aparece em público sem máscara e aglomerando, e não acredita na vacina?. A tese de Mourão, mesmo que pareça refletir uma realidade, é o reconhecimento de um fracasso. Os brasileiros estão recebendo há meses uma lavagem cerebral do presidente da República contra tudo o que é preciso fazer para conter o coronavírus. As restrições impostas pelo governo estadual quando recrudesceu a crise, foram rejeitadas por grupos organizados por bolsonaristas nas redes sociais e acabou revogado.
A visão de Bolsonaro de saúde pública é completamente distorcida, ou talvez seja uma desculpa para a ineficiência do seu governo. Eles nunca irão admitir que o lockdown, a máscara e o distanciamento social têm eficácia. A tal imunidade de rebanho, que Bolsonaro diz que é a única solução, mostrou-se ineficiente em Manaus, onde 70% da população foram infectados. Em nenhum momento as mais de 200 mil pessoas que já morreram são levadas em conta, como demonstra a situação caótica de Manaus.
Um erro compartilhado pelo Governador, pelo Prefeito, e pelo Governo Federal que justifica a convocação do Congresso para ajudar a salvar vidas no Amazonas, e estudar medidas contra os responsáveis por essa tragédia.