É do presidente Castello Branco a afirmação de que nas revoluções se sabe como entrar e nada de como sair. De formação legalista, embora da geração dos tenentes, nunca participara de nenhuma das famosas revoluções do seu tempo, 22, 24, 30. Em 1964 foi o candidato dos civis revolucionários contra os duros reunidos em torno de Costa e Silva, expressão do pensamento dos quartéis. Desde o início a preocupação de Castello era de como sair; a outra ala, de como entrar. Repetia-se o que ocorreu na República entre Deodoro e Floriano. Castello justificava a revolução de 64 com o argumento de melhorar as instituições políticas, deterioradas pelo governo João Goulart. Costa e Silva, diferentemente, com a tropa, desejava passar tudo a limpo, com a bandeira castrense anticomunista.
Essas duas vertentes vêm dominar as lutas internas nos 20 anos de revolução. Se não fosse o presidente Castello, que freou os ânimos e impôs sua autoridade, o movimento teria descambado para uma quartelada.
Ele tinha a preocupação, por muitos julgada ingênua, de dar-lhe aparência de legalidade. Foi assim que fez, cumprindo o calendário de eleições diretas para governador em 1965 e trombando de frente com a linha dura. Morto, não viu concretizar-se o que temia: o AI-5 e o fim do Estado de Direito.
Geisel retoma os rumos castellistas e, com a experiência dos insucessos passados, enfrenta os duros e inicia a transição, com a abertura que chamou de "lenta, gradual e segura".
Na área política, um grupo forte dentro do Congresso respaldava esse caminho. Fazíamos parte dele Petrônio Portela, Daniel Krieger, Teotônio Vilela, Nelson Marchezan, Milton Campos, Pedro Aleixo, Virgílio Távora, eu e muitos outros. Fui o relator da emenda constitucional que acabou com o AI-5.
É difícil reconstruir 40 anos depois o clima de março de 1964. A sensação geral àquele tempo era a da perda de governabilidade pelo presidente Goulart. É uma injustiça acusá-lo por não haver resistido. Não tinha condições. Perdera o apoio da imprensa, da opinião pública, dos partidos políticos, das Forças Armadas. Desesperadamente, viu desaparecer sua sustentação nos generais, nos oficiais e nas classes empresariais. Num gesto suicida e patético, chegou aos sargentos e terminou com cabos e marinheiros. No dia seguinte de sua saída, os jornais, sem exceção, apoiavam a revolta e as ruas se enchiam de entusiásticas multidões de apoio.
Em março de 1964 eu era deputado federal da UDN. No dia 19, fazia um discurso pedindo conciliação. Era voz de poeta. A conspiração já estava vitoriosa e eu não via.
Em 1985, por fios do destino, coube-me presidir a transição, a volta da democracia. Consegui sair ileso e íntegro dessa luta de facas. A revolução de 64 foi a última das revoluções salvacionistas que marcaram nossa história no século 20. Desapareceram no tempo suas motivações e protagonistas. O país superou a época dos pronunciamentos militares. Hoje nossas dores são outras: a desigualdade e a economia.
Do Manuelzinho, líder taxista que me acompanhou até o aeroporto quando deixei o governo, ouvi: "O senhor governou o Brasil com jeito, paciência e delicadeza!".
De jaquetão e bigode.
Folha de São Paulo (São Paulo - SP) e
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro - RJ) em 26/03/2004