Caberá agora à Câmara demonstrar a seriedade com que trata a questão do financiamento privado de campanhas eleitorais, aprovado ontem à noite, dando os limites dessa participação das empresas. A limitação da doação aos partidos políticos, e não diretamente aos candidatos, já foi um avanço, mas será preciso ir além para não institucionalizar a corrupção que está sendo descoberta nas investigações da Lava-Jato.
A decisão sobre o financiamento privado de campanhas políticas só saiu vencedora porque havia a necessidade de colocar a permissão na Constituição, para neutralizar a votação do Supremo Tribunal Federal (STF) que já definiu como inconstitucional a maneira como é feito hoje o financiamento privado, praticamente sem limitações.
Mas não basta a aprovação para evitar a decisão do STF, porque ela está baseada no entendimento de que o sistema atual é antidemocrático e antirrepublicano. O ministro Gilmar Mendes pediu vistas para evitar o anúncio formal da decisão já tomada e dar tempo ao Congresso de tomar a decisão por si.
Agora, no entanto, será preciso que, na regulamentação da emenda constitucional, sejam colocados parâmetros claros que tornem o financiamento privado acessível a todos os candidatos, para que a decisão final do eleitor não seja distorcida pela força do dinheiro.
Um dos pontos rejeitados nos votos do Supremo é o fato de grandes empresas fazerem doações para diversos candidatos a cargos majoritários concorrentes entre si, ou mesmo para partidos adversários.
Essa questão é combatida por uma proposta apresentada pelo PMDB, que proíbe a doação a vários partidos por uma mesma empresa. Não há também na legislação qualquer restrição a que empresas que doaram para a campanha sejam contratadas, diretamente ou mediante licitação, pelo governo do candidato eleito, como salientou em seu voto o ministro Roberto Barroso.
As doações de campanhas teriam assumido o papel de abrir portas para contratos governamentais, e a lavagem de dinheiro através de doações oficiais registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), descoberta agora na Operação Lava-Jato seria um passo atrás nessa questão.
Há também nos projetos em trâmite no Congresso a proibição de que empresas que tenham concessões governamentais ou façam obras para governos doem a partidos políticos.
O problema é que os setores que concentram as doações são exatamente aqueles que precisam manter estreitas relações com o poder público, como as empreiteiras. Pesquisa realizada pelo Kellogg Institute for International Studies, já mencionada na coluna, demonstra que as empresas doadoras em campanhas eleitorais recebem, nos 33 primeiros meses após a eleição, o equivalente a 850% do valor doado em contratos com o poder público.
Especialistas também compararam as doações a um sistema de crédito para as empresas, que vão buscar a compensação mais tarde nos cofres públicos. Lucieni Pereira, auditora do Tribunal de Contas da União e presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC), chamou a atenção, durante audiência pública no Supremo, para o que ocorre com a concessão de benefícios fiscais para atração de empresas — que seriam, ao mesmo tempo, mecanismo para atrair doações de campanha para os candidatos a governos estaduais.
Não existe almoço grátis, como bem lembrou o ex-diretor da Petrobras envolvido nos escândalos. Portanto, caberá aos partidos políticos provarem, com uma legislação reguladora rigorosa, que eles não quiseram institucionalizar a roubalheira, mas, sim, financiar a democracia.