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Culpa e pena

 

Só muita pressão popular fará a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que permite a prisão após condenação em órgão colegiado (segunda instância) avançar na Câmara. No Senado é mais fácil, pois 41 senadores já se declararam favoráveis, sendo precisos apenas mais oito votos.

Será muito mais difícil conseguir os 308 votos necessários na Câmara dos Deputados, inclusive porque o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, embora tenha se comprometido a colocar em debate o tema, não considera que ele seja a prioridade do momento.

Também o Centrão está mobilizado para impedir a aprovação de uma emenda nesse sentido. O que parece mais prudente é fazer mudança por projeto de lei no Código de Processo Penal (CPP), que exige maioria simples do total de votos, isto é, 41votos no Senado e 257 na Câmara, em apenas uma votação, e não duas em cada Casa como exige uma mudança constitucional. A emenda constitucional, no entanto, daria um toque de perenidade à decisão.

Além do mais, uma PEC tem o perigo de ser considerada inconstitucional, por tratar de cláusula pétrea. Para parlamentares contrários, com base em pareceres de juristas, a proposta o deputado Alex Manente (Cidadania-SP) é inconstitucional ao modificar o artigo que trata dos direitos e garantias individuais.

O texto da PEC, em lugar de “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, altera o inciso LVII do artigo 5 da Constituição para  “ninguém será considerado culpado até a confirmação de sentença penal condenatória em grau de recurso”.

 A proposta do Senado, de autoria do senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), insere o inciso XVI no art. 93 da Constituição Federal para permitir a possibilidade de execução provisória da pena, após a condenação por órgão colegiado, independentemente do cabimento de recursos.

Já a alteração do artigo 283 do CPP, que diz que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva” poderia incluir a prisão em decisão colegiada sem ferir a presunção de inocência que, para o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, é a cláusula pétrea constitucional que não pode ser alterada.

“Ao ler o dispositivo 57 do artigo 5, que fala em culpa, o que eu verifico ser cláusula pétrea: o princípio da inocência. Agora, eu não posso entender que prisão ofenda a presunção de inocência”, disse Toffoli em seu voto.

  No julgamento que mudou a jurisprudência do STF, impedindo a prisão em segunda instância, Toffoli deixou claro que o Congresso pode alterar esse entendimento: “entendo que o Congresso Nacional pode dispor sobre o tema, em sentido diverso, desde que compatível com a presunção da inocência”.

O presidente do Supremo foi claro: “Não vejo na prisão uma cláusula pétrea, na culpabilidade sim”. Também a ministra Rosa Weber ressaltou que “não se está aqui a confundir culpa com prisão, considerada a distinção entre a prisão pena e as prisões cautelares.".

Para ela, não cabe ao Poder Judiciário substituir pela sua própria interpretação da Constituição o que o legislador decidiu.  A ministra Rosa Weber, lembrando que a Constituição assegura, expressamente, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, diz, referindo-se ao CPP, que o “legislador infraconstitucional” definiu um “marco normativo” que visa a assegurar a máxima efetividade da garantia constitucional da presunção de inocência.

Os comentários dos dois ministros do STF, Rosa Weber e Dias Toffoli, indicam que o legislador (parlamentares) pode alterar as normas, desde que não mexa na presunção de inocência. Dessa maneira, a PEC que antecipa a culpa para autorizar a prisão após decisão em segunda instância poderia ser interpretada como uma tentativa de alterar uma cláusula pétrea.

Já a PEC do Senado, que introduz a possibilidade de prisão no artigo constitucional que trata do funcionamento dos tribunais superiores tem mais chance de passar no crivo do Supremo, embora possa ser considerada uma tentativa de burlar a Constituição, como já acusam alguns juristas.

O fato é que o Supremo tem cinco votos a favor da prisão em segunda instância, e bastaria um dos dois votos, de Rosa Weber ou Toffoli, para alterar novamente a situação jurídica.    

O Globo, 12/11/2019