Com o tempo, é possível ver o que significou para o Brasil o Plano Cruzado. Ele completou agora 25 anos.
Nenhum plano despertou tanta paixão: os especuladores de 1986 o odeiam e o povo consumidor não o esquece, pois foi a primeira grande distribuição de renda do Brasil.
Eu sabia dos riscos e perigos em fazê-lo, mas tive a coragem de congelar os preços e a taxa de câmbio, entre outras medidas. Abandonei a ortodoxia do FMI e da banca internacional. Enfrentei-os. Derrotei-os, pois o Brasil, a partir dali, nunca mais seria o mesmo — nem o FMI também.
A Europa vive até hoje o que é o combate ortodoxo da crise de 2008. Desemprego em 20%, protestos em várias cidades e a agonia do Estado social isto é, o direito do povo a saúde, educação, aposentadoria e seguridade social.
Nasce o movimento do "indignai-vos", que varre e ameaça o velho continente contra a redução de salários e créditos.
O Plano Cruzado buscou a saída do mercado interno —a mesma que Lula usou em 2009 , barrou a especulação de preços e da moeda.
Ouvi do então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, ser a maior coragem de nossa história. O capital internacional nos cercou e o capital interno seguiu o seu exemplo. Foi uma guerra.
O Cruzado não foi somente um plano econômico. Foi um plano de consequências políticas que mudaram o país.Legitimou-me como presidente da República, e sem ele eu seria deposto, com retrocesso democrático à vista. Também possibilitou funcionar a Constituinte, que deu ao povo direitos sociais, garantias individuais, direitos do consumidor.
Paguei —e até hoje pago— um custo de feridas não cicatrizadas. Mas foi nossa decisão que, desdobrada nos planos Bresser e Verão, veio até o Real. Este já estava idealizado pelo ministro do Planejamento do meu governo, João Sayad. Mas eu não tinha condições políticas de fazê-lo.
O presidente FHC contou que quando reuniu os economistas para construir um novo plano, eles disseram: "Já está pronto, é só implantá-lo".
Assim, o Cruzado é a maior aprendizagem no caminho da estabilidade econômica. Baixou o desemprego a uma média de 3,59% —a menor até hoje—, o crescimento econômico foi de 99% do PIB per capita e de 119% do PIB total, e a inflação dolarizada, de 17,3%.
A inflação de 80% de março de 1990 não era minha, mas das expectativas do futuro governo. Outra consequência política foi que o pleno emprego criado pelo plano deu força aos trabalhadores, e não é sem motivo que já em 1989 quase fizeram o presidente.
No futuro, quando se escrever a história desses anos, o Plano Cruzado receberá justiça como uma heroica decisão que mudou o modo de enfrentar crises e o Brasil.
Folha de São Paulo, 1/7/2011