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Crivella, o nosso Trump

 

A diferença é que o presidente americano usa o Twitter, que limita suas fake news diárias a 140 caracteres, e o nosso prefeito não tem limites para as suas piadas. A última foi a da “balsa família”, um trocadilho infame e ofensivo aos que enfrentavam uma tragédia. Em matéria de deboche, ela lembra aquele vídeo em que ele reclama do frio da Suécia e pergunta: “Oi, pessoal, tudo bem?”. O “pessoal” não podia responder porque estava até o joelho de água.

O repórter Luiz Ernesto Magalhães publicou esta semana uma antologia de frases cretinas de Crivella — apenas algumas, como a que comentou a situação dramática dos hospitais públicos, que é mostrada diariamente pela televisão. Ele teve a coragem cínica de afirmar: “Souza Aguiar não tem crise. Miguel Couto não tem crise, Salgado Filho não tem crise. Não há crise nos nossos hospitais”.

É bem verdade (com licença para empregar uma palavra que não costuma frequentar seu vocabulário) que ele pode alegar, baseado no tratamento privilegiado que sua mãe recebeu no Salgado Filho, que anda tudo bem com o sistema hospitalar. “Se minha mãe é bem tratada nos hospitais no Rio de Janeiro, significa que os hospitais da rede pública estão bons”. Só faltou dizer para aquelas senhoras que esperam meses para serem atendidas: “Quem manda não ter filho prefeito?”.

O deboche está na moda. Justamente no momento em que o país se mostra alarmado com os seus índices de homicídios — o número de assassinatos voltou a crescer, e hoje são 155 por dia ou seis por hora — prepara-se no Congresso um pacote para relaxar — ou revogar? — o Estatuto do Desarmamento. À frente do movimento está a “bancada da bala”, de parlamentares eleitos para defender os interesses da indústria bélica. As negociações estariam adiantadas com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que apoia o projeto, cujo relator será seu colega de partido (DEM), deputado Alberto Fraga, dos mais aguerridos defensores do armamentismo. O Estatuto, sancionado em 2003, evitou mais de cem mil mortes por armas de fogo, de acordo com estudo feito em 2015 por Daniel Cerqueira, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea. No mesmo estudo, ele cita que 1% a mais de armas já causa aumento de até 2% na taxa de homicídio do país.

Segundo ainda Cerqueira, a evidência científica mostra que “quanto mais armas, mais crimes”, e isso ocorreria também nos EUA, onde pesquisadores consagrados já mostraram que quando há aumento de circulação, observam-se mais crimes violentos, como feminicídios.

Pelo menos, os defensores do bang-bang aqui são mais sofisticados. Nenhum propôs até agora a solução Trump — armar os professores.

O Globo, 24/02/2018