A Líbia não estava na linha de tiro dos Estados Unidos nem da Otan. Com o Iraque, depois de longos anos de guerra fria, todos previam, sem nenhuma contestação, que o desfecho seria um confronto armado.
Para prepará-lo houve longa divergência, com etapas que envolveram desde as acusações de possuir o Iraque armas de destruição em massa e produção de armas nucleares, além do lado passional que a questão passou a ter para os americanos depois que Bush filho anunciou que "Sadam queria matar papai".
Com a Líbia era considerada coisa do passado. Em 1986 os EUA bombardearam o palácio de Kadafi, resultando na morte de sua filha e em sua decisão de mudar o nome do país para "Grande República Socialista do Povo Líbio Jamahiriyah".
Era a época de atentados de Kadafi no Ocidente, inclusive a derrubada de avião de passageiros da PanAm com 270 vítimas na Escócia e de um da UTA no Niger.
Ainda de sua militância terrorista são atentados aos aeroportos de Roma e Viena e a reivindicação de ser fornecedor de bombas para as ações do IRA (Exército Republicano Irlandês) na Inglaterra. É um sujeito de maus bofes e péssima ficha, suja na prática da violência e na mão de ferro cruel com que trata internamente seu povo.
Mas neste século passou a dar sinais de ter mudado, com a indenização às vítimas do avião que fez derrubar em Lockerbie e a extradição dos executores identificados do atentado.
Diminuiu a sua retórica violenta e ameaçadora, tentando uma reinserção na comunidade mundial. Se comprometeu a não produzir armas de destruição em massa.
Inesperadamente foi atingido pela onda de opinião pública em busca de liberdade que passa pelo norte da África, varrendo ditadores. Surpresa maior para o mundo ocidental foi o levante da população líbia, não previsto em nenhum cenário por EUA e União Europeia.
Caiu do céu a hora de apoiar a revolução por liberdade que tomou várias cidades do país. Parecia ser um novo Egito. Mas aí entrou Kadafi com seu velho estilo de violência, esmagando a todos os opositores e praticando verdadeiro genocídio contra seu povo.
Seria politicamente correto dizer que esse problema é mais europeu que americano. A Itália - Kadafi visitava o país com bastante frequência e participava com Berlusconi de noitadas alegres - depende do petróleo líbio e por ele é abastecida através de um oleoduto que atravessa submerso o Mediterrâneo; e as trocas econômicas líbias são prioritariamente na Comunidade Europeia.
A crise líbia foi tão inesperada que pegou o presidente Obama em plena viagem pela América Latina. Ele teve que, de seu hotel em Brasília, autorizar o ataque aéreo que concretizou a Zona de Exclusão Aérea da Líbia, o que o fez chegar atrasado a uma solenidade militar para encontrar-se com a presidente Dilma.
Kadafi merecia pelo seu passado terrorista e esquizofrênico. Com essa ação apoiada pelos árabes e quase todos os paises do mundo é possível que os líbios contrários a Kadafi possam obter o maior de todos os direitos humanos: a liberdade.
Brasil Econômico, 23/3/2011