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Crime organizado

 

O comentário do senador Pedro Taques, do PDT de Mato Grosso, de que o bicheiro Carlinhos Cachoeira já estava no terceiro estágio do crime organizado, buscando negócios legais, resume bem o estado de espírito dos parlamentares que participaram do depoimento teoricamente secreto do delegado da Polícia Federal (PF) Raul Alexandre Marques Souza na CPI.

Mesmo oriundo do Ministério Público, assim como Demóstenes, o senador Taques tem experiência de acompanhar esse tipo de ação criminosa e não estava fazendo um comentário leviano.

As investigações revelaram com uma profusão de detalhes as ligações de Cachoeira com praticamente todos os níveis de poder da República, sendo que tinha no bolso do colete pelo menos um senador - Demóstenes Torres, ex-DEM de Goiás, que o delegado classificou como o braço político da organização - e dois deputados federais - Carlos Leréia, do PSDB, e Sandes Júnior, do PP, ambos de Goiás.

Além do Congresso, o bicheiro tinha influência importante sobre pelo menos dois governadores, o tucano Marconi Perillo (Goiás) e o petista Agnelo Queiroz (Brasília).

A atuação do mafioso não se limitava a Goiás, seu estado natal, ou ao Centro-Oeste, como quis fazer crer num primeiro momento o relator petista, tentando circunscrever as investigações ao interesse de setores de seu partido.

Seu império se espalhava por todo o país, e há ainda a se provar sua participação na empreiteira Delta, de quem parece ser um sócio oculto.

É por esse caminho que um terceiro governador, o do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), pode vir a ser convocado para depor na CPI, mas até agora não há indicação de que sua relação promíscua com o empreiteiro dono da Delta, Fernando Cavendish, seja razão para tal convocação.

O vice-presidente Michel Temer tem razão ao afirmar que jantar com empreiteiros não é crime em si, mas pode indicar crimes praticados, já que se sabe, conforme nos ensinou Milton Friedman, que não existem jantares grátis, o que por si só já seria motivo para investigação, que neste primeiro estágio caberia ao Ministério Público ou à Assembleia Legislativa do Rio.

Há ainda a apurar informação não confirmada de que o bicheiro do Centro-Oeste estaria querendo entrar no mercado do Rio e teria se utilizado de canais especiais do empreiteiro Cavendish para realizar essa ampliação de seu negócio.

Se, no decorrer das investigações, ficar comprovado que o verdadeiro dono da Delta era mesmo o bicheiro Cachoeira, como acredita o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, aí, sim, o governador do Rio teria que prestar contas à CPI.

Pelo que se sabe das investigações, e com as muitas mil horas de conversas telefônicas gravadas com autorização judicial, fica patente que o crime organizado estava infiltrado no Poder Legislativo e em alguns Executivos estaduais, e tinha planos ambiciosos de fazer do senador Demóstenes Torres um membro do Supremo Tribunal Federal.

Em termos regionais, o mais próximo que andamos de um cenário de domínio pelo crime organizado de um estado foi no Espírito Santo, onde nos anos 90 do século passado os três poderes estaduais foram todos cooptados, tendo sido preciso a intervenção forte de força-tarefa policial e política para restabelecer a ordem.

A declaração do delegado da PF de que o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, engavetou a investigação deu nova força aos que querem usar a CPI como instrumento de vingança contra a Procuradoria e a imprensa, pelas mesmas razões: as denúncias sobre o mensalão.

Com relação à imprensa, o delegado Raul Souza foi categórico ao afirmar que a PF não encontrou qualquer indício de ilegalidade nos contatos do diretor da revista "Veja" em Brasília, Policarpo Junior, com o bicheiro Carlinhos Cachoeira.

"Apensas conversas entre jornalista e fonte" foi a definição do delegado. Ora, se é verdade que existem mais de 200 ligações telefônicas entre o jornalista e o bicheiro, como gostam de alardear os blogs chapas-brancas, muitos financiados pelo governo exatamente para fazer esse trabalho de solapar a grande imprensa, como não se consegue nenhum diálogo direto entre os dois ou mesmo entre o jornalista e membros do grupo do bicheiro, que revele a suposta troca de favores que evidenciaria o crime?

Até o momento o que há são conversas entre os criminosos sobre o jornalista, que servem para alimentar ilações grotescas sobre conluio da direção da revista com o crime organizado.

Do mesmo modo, não há qualquer indicação nos dados da PF de que Gurgel ou sua mulher, a subprocuradora Cláudia Sampaio, tivessem alguma relação com o esquema criminoso, e é leviana a suspeita de que tenham agido com espírito de corpo. E a explicação oficial dos dois de que a Operação Vegas não tinha indícios suficientes para abrir um processo no STF contra o senador Demóstenes Torres ou outros parlamentares, mas que resolveram sobrestar o caso até que novas investigações em curso pudessem complementar as informações, pode ser confirmada pelo próprio comentário do delegado na CPI: o caso não foi arquivado nem devolvido à Justiça Federal de Goiás para novas investigações, permanecendo três anos aberto até que, com a Operação Monte Carlo, pôde ter sequência com a abertura de inquérito contra o senador de Goiás no início deste ano.

Caberá, portanto, ao procurador-geral da República agir rápido para desfazer a intriga de que não há explicação razoável para sua demora em abrir o inquérito contra Demóstenes Torres, e sua reação foi mais do que adequada. Roberto Gurgel explicitou o que já se sabia, a ação contra ele é mais uma manobra dos que querem confundir o julgamento do mensalão para neutralizar sua atuação, colocando-o sob suspeita.

Isso levaria a suspeita de envolvimento com o crime organizado às portas do STF, o que seria desastroso para a democracia brasileira. Justamente por isso é preciso que a CPI seja prudente ao tratar do assunto, para não servir de pretexto para os que querem tumultuar o julgamento do mensalão.

O Globo, 10/5/2012