Há contradições internas no governo Bolsonaro que emperram a tomada de decisões. Além dessas, há ainda disputas ideológicas que levam a decisões políticas nada baseadas em fatos comprováveis. O voucher previsto para os trabalhadores em situação vulnerável, como os que trabalham por conta própria, ainda não saiu do papel, mas já está sendo alvo de disputa politica.
O primeiro intuito do governo era distribuir R$ 200, a oposição propôs R$ 300 e o presidente da Câmara elevou a proposta para R$ 500. Ontem à tarde, o presidente Bolsonaro revelou que pensa em distribuir R$ 600 para cada vulnerável. Não há conta feita, apenas disputa política. Ainda bem que essa disputa favoreceu os mais pobres.
A injeção de dinheiro para as empresas continuarem abertas, garantindo empregos na transição do confinamento para a tentativa gradual de volta à normalidade, também continua empacada. Dias atrás o empresario Abilio Diniz anunciou em um fórum de debates que o ministro da Economia Paulo Guedes havia lhe garantido que injetaria R$ 600 bilhões com o intuito de preservar empresas e empregos, mas até agora não se tem uma decisão.
As medidas esbarram muito na concepção econômica da equipe, que quer a volta às atividades normais até o dia 7 de abril. Um sinal de que o desencontro dentro do governo é grande e uma disputa entre as equipes técnicas da Saúde e a da Economia. A decisão de usar a cloroquina ou hidroxicloriquina apenas em casos graves de Covid-19 foi considerada equivocada pela equipe econômica, que teme que o tratamento dos infectados se prolongue mais do que o necessário.
O próprio presidente Bolsonaro levou à reunião do G-20 a discussão sobre esse medicamento, que ele ordenou ser fabricado pelo Exército para aumentar a produção. Apesar dos resultados positivos já alcançados, no mundo e aqui, não há ainda indicações seguras sobre se seu uso nos casos de Covid-19 pode provocar efeitos colaterais.
A permissão para suspender os contratos de trabalho por quatro meses sem pagamento de salário é outro exemplo de preocupação econômica acima da humanitária. A desculpa é que se tratou de um erro de digitação, mas na verdade houve a supressão da compensação financeira que seria dada a esses demitidos, e a exigência de garantia de emprego na volta.
Agora o governo pensa em nova medida, mas apenas por dois meses, e com todas as garantias. Assim como está difícil a equipe econômica virar a chave para se tornar pelo menos temporariamente keynesiana, com o Estado assumindo um papel mais decisivo na preservação dos empregos e dos investimentos, também será difícil aos técnicos da saúde mudarem o posicionamento caso o ministro Luiz Henrique Mandetta decida aderir formalmente ao pensamento do presidente Jair Bolsonaro.
Trocar a equipe com a mudança do ministro em meio à crise será uma perigosa manobra. Mas mudar as diretrizes sob as ordens do mesmo ministro também provocara uma reação interna na equipe de Saúde.
O presidente da República não tem como obrigar Estados e Municípios a aderirem a uma proposta dele fora de uma negociação política. A inclusão dos templos religiosos e das loterias nas atividades essenciais é uma decisão que certamente será contestada na Justiça.
Também no caso das escolas, governadores e prefeitos é que têm a prerrogativa legal de abrir e fechá-las. Também no transporte público, o presidente precisa negociar. O discurso de Bolsonaro, que vai na contra mão do mundo inteiro, inclusive dos Estados Unidos - que são o espelho dele - por enquanto é só isso, discurso político, sem norma jurídica, e não muda decisão nenhuma.
As orientações do ministério da Saúde é que vão prevalecer, e estamos diante de um impasse. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que até outro dia merecia os aplausos da população, tenta se equilibrar diante de um presidente que tem um discurso contrário às orientações dadas até o momento. Se conseguir retardar as posições de Bolsonaro, convencê-lo de que é possível uma saída programada, que minimize os problemas do cidadão, estaremos num bom caminho. Evidente que não se pode ficar trancado em casa por três, quatro meses. Mas é preciso um prazo para ver a linha de comportamento do coronavírus, e fazer análise estatística para basear as decisões.