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Contra a democracia

 

O presidente Bolsonaro entrou em um terreno perigoso ao insinuar, tendo como pretexto o atraso da apuração da eleição municipal pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que não temos um sistema confiável. “Temos que ter um sistema de apuração que não deixe dúvidas”, afirmou a seus seguidores na porta do Palácio da Alvorada. O presidente já havia feito uma afirmação irresponsável em março, denunciando que houvera fraude na eleição de 2018, que ele venceu, e prometeu apresentar as provas.

Agora, ele volta a insinuar irregularidades, e nem se lembra de mostrar as supostas provas que disse que tinha. Com a declaração do ministro Luis Roberto Barroso, ministro do STF e presidente do TSE, de que os ataques cibernéticos que teriam sido repelidos pelo sistema de segurança do tribunal teriam sido praticados pelos mesmos grupos que estão sendo investigados em inquéritos no Supremo sobre distribuição de fake news e manifestações antidemocráticas ao Congresso e ao próprio Supremo, ganha uma dimensão maior a insinuação do presidente Bolsonaro.

Ele estaria dando credibilidade aos boatos que foram espalhados pelas redes de seus apoiadores, com o intuito de desacreditar o sistema de apuração digital. Tal qual um Trump dos trópicos, Bolsonaro lança dúvidas e dá margem a que políticos como a deputada Bia Kicis possa dizer que a explicação para a derrota da extrema direita bolsonarista seria uma grande fraude eleitoral.

A Polícia Federal vai investigar os ataques sofridos pelos computadores do TSE, vindos de servidores da Nova Zelândia, que parecem estar orquestrados com grupos que atuaram também a partir de servidores nacionais. As duas investigações do Supremo estão interligadas e têm o mesmo relator, o ministro Alexandre de Moraes.

O mesmo que, ontem, mandou prender o blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio, que saiu do Rio sem autorização para fazer agitação em São Paulo e terá agora de cumprir a prisão domiciliar com uma tornozeleira.

Embora não fosse possível interferir nas urnas eletrônicas, pois elas não estão em rede, o ataque ao TSE poderia provocar uma demora maior do que o que ocorreu, o que, aí sim, e esse parece ter sido a intenção dos ataques, levaria a uma onda de boatos e fake news que poderia afetar a credibilidade da apuração.

O ministro Barroso insiste em que o atraso de menos de três horas não pode ser transformado em uma crise, muito menos lançar suspeitas infundadas sobre o sistema eleitoral. No oficio que enviou ao diretor-geral da Polícia Federal Rolando Alexandre de Souza, Barroso diz que “os incidentes relatados indicam possível ocorrência de crimes em face ao TSE”.

As investigações dos inquéritos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre ações ilegais de distribuição massiva de fake news através do WhatsApp nas eleições de 2018 até agora levam a apoiadores de Bolsonaro, e até mesmo a um “gabinete do ódio” que estaria instalado no Palácio do Planalto com o objetivo de articular ações nas redes sociais.  É bom lembrar que esses inquéritos do Supremo estão investigando há mais de um ano esses grupos que usam as redes sociais para fazer militância política ilegal, e já têm identificadas diversas milícias digitais. A relação delas com a divulgação de fake news e com ações antidemocráticas contra o Congresso e o Supremo já está demonstrada, e o cruzamento dessas informações demonstra já uma atuação coordenada, assim como os primeiros ataques ao sistema de apuração do TSE também o foram.

Se o cruzamento de informações já existentes levar aos mesmos grupos, ou similares, no caso do ataque ao TSE, estará configurada uma grande conspiração contra a democracia brasileira, com o presidente Bolsonaro no centro. 

O Globo, 18/11/2020