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Contagem regressiva

 

Com a sessão histórica do Tribunal de Contas da União (TCU) marcada para o dia 7 começa um novo capítulo na crise política brasileira. Pela primeira vez o Tribunal vai rejeitar as contas de um presidente da República, acusado de “desrespeitar normas constitucionais, legais e regulamentares na execução dos orçamentos da União e nas demais operações realizadas com recursos públicos federais, em especial no que se refere à observância de medidas restritivas, condicionantes e vedações fixadas pela Lei de Responsabilidade Fiscal".

O relatório do ministro Augusto Nardes, que se recusou a mais uma vez aprovar as contas “com ressalvas” e assumiu a responsabilidade de respaldar o estudo dos técnicos do TCU, teve o apoio do Ministério Público que atua junto ao Tribunal.   O Procurador-Geral, Paulo Soares Bugarin, também endossou o relatório: "O MP/TCU manifesta-se por que este tribunal aprove parecer prévio, no sentido de que as contas do governo referentes ao exercício de 2014 não representam as posições financeira, orçamentária, contábil e patrimonial em 31/12/2014”.

O procurador do Ministério Público Julio Marcelo, que atuou no caso, acha que os estudos técnicos convenceram os ministros de que o que foi feito teve o claro intuito de favorecer a reeleição da presidente Dilma, trazendo em consequência o quadro econômico caótico em que vivemos hoje.

Em seu parecer, Augusto Nardes ressalta que as “pedaladas fiscais” foram intensificadas em 2014 com o claro propósito eleitoral de mascarar as contas públicas. Mas não são apenas as “pedaladas” que ferem a Lei de Responsabilidade Fiscal. Há um crime de responsabilidade caracterizado pela assinatura da própria presidente Dilma em decretos aumentando o gasto público sem o consentimento do Congresso, o que é expressamente proibido.

Esse “ato de ofício” é tecnicamente a prova mais robusta de que a presidente abusou de seu poder para manipular o orçamento público. Também o vice-presidente Michel Temer assinou três desses decretos, o que em tese o colocaria na mesma posição da presidente para o impedimento legal. No entanto, o TCU não analisa as contas de quem substitui a presidente eventualmente, seja o vice, seja o presidente da

Câmara ou outra autoridade da linha sucessória. Por isso, não há como incriminá-lo nesse caso.

Provavelmente o governo, através da Advocacia-Geral da União (AGU) vai recorrer da decisão do TCU, o que por si só é uma aberração, pois o Tribunal não toma decisões definitivas, apenas aconselha o Congresso a tomar a decisão. Só é possível recorrer de uma condenação, e essa só sairá do Legislativo.

De qualquer maneira, e provável que o governo faça um recurso ao Supremo para tentar ganhar tempo. E, na Câmara, a base aliada já está preparada para entrar também com recursos contra qualquer que seja a decisão sobre um eventual pedido de impeachment.

Começaremos, portanto, na segunda quinzena de outubro a viver os próximos passos de nossa crise política, agora com uma base governista aparentemente revigorada pela reforma ministerial e o presidente da Câmara Eduardo Cunha fragilizado pelo surgimento de contas ocultas na Suíça sob seu controle, segundo denúncia do governo suíço.

O vazamento de uma prova concreta que já está nas mãos da Procuradoria-Geral da República, como o extrato das contas, pode ser a pá de cal em sua liderança na Câmara, o que significará um obstáculo a mais na tentativa da oposição de promover o impeachment da presidente Dilma.
Paralelamente, na próxima semana o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) retoma a análise das contas da campanha presidencial, agora com novas informações sobre a derrama de dinheiro desviado da Petrobras para financiá-la na delação premiada do empreiteiro Ricardo Pessoa.

A base da coalizão reorganizada poderá dar um fôlego ao governo para postergar o mais possível a tramitação das contas do TCU, ao mesmo tempo em que terá que aprovar o ajuste fiscal que está no Congresso e garantir a manutenção dos vetos presidenciais. Esta última parece tarefa mais fácil do que aprovar a CPMF.

O ritmo da crise dependerá da deterioração da economia e das revelações que a Operação Lava-Jato introduzir no cenário político. Há quem considere que dificilmente neste ano legislativo se concluam algumas dessas questões, mas a oposição ainda crê que agosto cairá em novembro este ano.

O Globo, 03/10/2015