Muitas pessoas me perguntam quanto tempo se leva para escrever um artigo. Digo que depende. Primeiro, o tempo de procurar o tema que muitas vezes está à nossa frente, bem no nariz, e a gente não enxerga. Ele se esconde, e a procura é angustiante. Depois, há o tempo de falta mesmo de assunto, de vacas magras de fatos que esperam tratamento jornalístico. O cotidiano de jornal exige texto imediato. Sofrimento mesmo vive o cronista de cada dia, esse que tem de garimpar em pedra dura; e, se faz jornalismo de declaração, sem esta, tem que se socorrer da invenção e arriscar-se a suposições e versões.
Muitas vezes saímos à cata do tema, de lupa e espingarda, e nada. É o que acontece com escritores em busca de personagens ou políticos caçando fantasmas. E foi assim que me deu uma vontade danada de falar de pássaros, num momento em que voam e cantam tantas sereias da política e modelos. Mas os meus pássaros são aqueles que cantavam nos campos de Pinheiro, os vim-vins e patativas, galos de campina e leva-ribas. Nunca gostei de vê-los presos, e não há coisa mais bonita e nobre do que gaiola vazia. Nesta memória, sempre pego algumas fitas do trabalho extraordinário feito por Johan Dalgas Frisch, que guardou os sons que morrem na solidão das matas, e fico a ouvi-los, entre o ouvido e as saudades das tardes da infância. Tudo isso é amenizado por um sabiá que todas as manhãs me visita cantando no jardim.
E, a falar destas coisas que só batem nos que conjugam a metáfora do peso dos anos, vejo-me estarrecido pela tragédia de Madri, o ato terrorista com a violência gratuita e inútil em que tantas vidas se encerram sem saber o porquê. Que mundo cão!
Também estou em débito comigo mesmo, desejoso de resgatar uma dívida de escrever sobre o livro de Otavio Frias Filho, de estilo tão limpo, leve como uma vela em dia de vento, "Queda Livre", no qual ele nos conta algumas experiências, dessas que se situam entre a curiosidade e a aventura, a juventude e a coragem -e de repente, sem tempo e com tempo, me vejo entre pássaros, terror e saudades. Quando terminei o livro do Otavio, fiquei cheio de vontade de tomar o santo Daime e mergulhar num submarino, mas nunca de me atirar de uma asa-delta. Bom livro e maneira de fazer literatura com jornalismo.
Fico com a cabeça meio inconclusa quando o Hubble nos revela essa luz que vem do universo profundo, um bebê de 600 milhões de anos. E podem estar me vendo, moço de 17 anos, viajando ninguém sabe para onde. Coisas da razão impossível.
E a história desse rapaz que engordou 12 quilos com sanduíches do McDonald's em apenas um mês - e eu, que não consigo emagrecer três quilos para aproveitar as calças velhas que vestia quando ia pescar.
Tudo isso me passa, não por falta de assunto nem de desejo, mas pelo gosto de ficar aqui, lembrar-me feliz de que tenho de ter meu texto de sexta-feira pronto, sem que me interrompam para discutir se o sistema elétrico deve ou não deve ser reformado e ver a chuva de CPIs.
Fontes Ibiapina descobriu uma jóia quando incluiu no seu "Parimiologia Nordestina" o provérbio "o homem paciente vale mais que o valente".
Folha de São Paulo (São Paulo) e
Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) em 12/03/2004