Helmut Schmidt, ex-chanceler da Alemanha, notável estadista, fazendo visões e profecias sobre o século 21, disse que "o novo e o atual século será da Índia, e não da China".
Eu, de minha parte, não concordo. A China é uma fascinação, e sua contribuição à historia da humanidade, com seu acervo de valores acumulados há milênios, assegura o grande despontar que já começou.
Mas os argumentos de Helmut Schmidt não são de jogar fora. Diz ele que a Índia tem, também, civilização e história que rivalizam com as da China. Invoca a inclinação dos indianos para o pensamento abstrato e as universidades do mundo inteiro cheias de indianos em áreas de ponta. Ajunta o argumento de que os ingleses lhes deram um instrumento valiosíssimo na competição mundial: a língua, o inglês, que tende a ser o moderno instrumento de comunicação dos negócios, da ciência e, sobretudo, da informática. Por outro lado, os ingleses deixaram na Índia instituições políticas que têm funcionado. Esse é um gargalo por que a China ainda não passou. Os programas de controle de natalidade estão dando melhor resultado na China do que na Índia. Esta, em breve, pode ter a sua população ultrapassando a da China. A verdade é que os próximos séculos estarão provocando grandes contorções e transformações naquela região.
Quando estava na Presidência da República, achei que aquela história de sermos o último do Primeiro Mundo era furada. Busquei um relacionamento privilegiado com países do nosso porte, como China, Índia e Rússia. De todos esses países, o mais sensível a essa política foi a China. Ali estive e expus a Deng Xiao Ping esse ponto de vista. Disse-lhe que queríamos ter estreita e especial relação com a China. Com a velha sabedoria chinesa, disse-me que o tempo era importante para consolidar relações entre países. Aprovava a parceria e esperava que os anos a consolidasse. Abrimos essa estrada com um acordo de lançamento de satélites, um deles já em órbita, e estabelecemos mecanismos de cooperação cultural, comercial e espacial. Agora, a China volta com todo vapor e volta bem, com fortes investimentos no Brasil.
Se a China e a Índia se movimentam em grande forma, o Japão enfrenta recessão e um problema sério: a princesa Mazako não teve até agora um filho varão, está triste, deprimida. O príncipe Naruhito, no cumprimento dos deveres conjugais, deve se esforçar e ter esperança, pois Luís 13, da França, passou 20 anos para que afinal chegasse seu filho Luís 14. No Brasil, superamos a maldição dos Braganças da morte dos primogênitos e tivemos dom João 6º e dom Pedro 1º no lugar de seus irmãos falecidos. Pedro 2º teve o primeiro filho, Afonso, morto. Depois veio a princesa Isabel, a musa da Abolição. Por último veio um outro homem, Pedro, que também morreu cedo. O regente Lima e Silva dizia orgulhoso sobre Pedro 2º, para mostrar como é bom ver um príncipe herdeiro: "Nestes braços o apresentei à corte. Com minha boca o aclamei no Campo de Santana, e com meu coração fiz tudo para conservar-lhe a coroa".
A princesa Mazako, coitadinha, prisioneira no Palácio Imperial, sonha com um filho, e Lula, feliz e solto na viagem, faz negócios na China.
Folha de São Paulo (São Paulo - SP) 28/05/2004