Seria uma grande notícia se o presidente Bolsonaro tivesse tomado a decisão de que não aceita mil mortes todos os dias, em consequência da Covid-19 e, ordenasse uma reunião de emergência para analisar que medidas teriam que ser tomadas na área da Saúde para evitar que esse número trágico se repetisse.
Brigar com os números é uma tendência de todo governo autoritário ou populista, controlar a narrativa também. Stálin mandava apagar das fotos seus antigos aliados caídos em desgraça. O mais incrível é que o governo tem um ponto importante nessa discussão.
Se o número de mortes em 24 horas inclui as mortes ocorridas anteriormente, cujo diagnóstico de Covid-19 só agora foi confirmado, o total de mortes diárias está distorcido, embora o que importa, a soma total de mortos não mude. Se houvesse a separação das mortes nas 24 horas, e as confirmadas entre as que estavam na fila de suposição, a informação seria também correta, e a estatística mais esclarecedora.
Não está acontecendo, mas as mortes diárias podem, teoricamente, estar caindo, e as confirmadas crescendo, pois não temos testagem para determinar a Covid-19 em todos os pacientes.
O ministério da Saúde está uma confusão só.Agora prometem que vão dar as mortes notificadas no dia junto com a data em que ocorreram. Sem explicar como.
Acontece que o padrão é internacional, embora alguns Estados brasileiros separem os dados. O que importa é que o número de mortos anunciado naquele dia seja a soma dos mortos nas últimas 24 horas com a das mortes confirmadas. Mas o governo não faz a soma, nem apresenta os dois números separados. Simplesmente some com parte dos dados.
O que revela mais uma vez a insensibilidade de Bolsonaro é que o presidente só se mexe para esconder fatos, nunca para solucionar problemas que aparecem no decorrer dessa trágica pandemia. Usa a desculpa de que o Supremo Tribunal Federal (STF) delegou aos Estados e Municípios o combate à Covid-19, o que não é verdade.
Se quisesse, o governo federal poderia combinar com governadores e prefeitos conceitos de uma política comum, e cada um adaptaria as orientações às características de sua localidade. Políticas de compra de material médico, por exemplo, são típicas de uma ação governamental centralizada.
O fato é que, manipulando ou não os dados, o Brasil caminha para se tornar o segundo país com mais mortes no mundo. Como chegamos ontem a 37.312 mortes, segundo o consórcio da imprensa, provavelmente ultrapassaremos o Reino Unido, que tem cerca de 40 mil mortos, nessa trágica disputa.
Mesmo na contagem proporcional, por milhão de habitantes, o Brasil não está tão bem como querem os apoiadores de Bolsonaro. Em relação à América do Sul, por exemplo, o número de mortos pela Covid-19 é quase três vezes maior que o registrado nos demais países somados, cerca de 70% do total, embora o país tenha perto da metade da população total da região.
Em relação à Europa, o Brasil está em melhores condições do que a Espanha, que tem 597 mortos a cada milhão de habitantes, seguido pelo Reino Unido com 587, Itália com 557, França com 445 e Estados Unidos com 326. Temos 160 mortes a cada milhão de habitantes, mas há diferenças preocupantes.
Uma taxa de idosos, acima de 65 anos, os mais frágeis diante do vírus, de menos de 10%, enquanto na Europa o índice médio é de 20%, e ainda não chegamos ao pico da epidemia, enquanto na Europa ela já está decadente. Além do mais, pesquisadores do Portal Covid-19 Brasil, união da Universidade de São Paulo (USP) com a Universidade de Brasília (UnB), calculam que o número real de infectados no Brasil chega a ser 10 vezes maior do que o divulgado, variando entre 4,6 e 6,5 milhões, o que significa que devemos ter muito mais mortes em decorrência da Covid-19, com subnotificações. As mortes oficialmente por problemas respiratórios cresceram assustadoramente.
Sobretudo, é preciso entender que os mortos não são apenas números estatísticos. São seres humanos, e cada um conta.