George Orwell, quando, em 1949, publicou o seu famoso livro "1984", imaginou uma sociedade com um ministério da verdade para zelar por condutas morais "corretas".
Agora, em 2002, a ficção torna-se realidade. O Pentágono criou um departamento de influência estratégica, que, numa paródia a Orwell, tem a função de mentir. O "departamento da mentira" tem objetivos já definidos: "atuar em programas ocultos e sujos até os mais claros"; "notícias falsas distribuídas em órgãos estrangeiros de mídia para promover pontos de vista americanos"; "usar operações secretas, atividades psicológicas e fraude" (citações literais). Tudo isso de eficiência comprovada na guerra do Afeganistão. Uma das transformações introduzidas pelo computador foi a impossibilidade da escolha e da descoberta da verdade, com a infinidade de versões de informações que jorram aos borbotões na Internet, disseminadas na mídia global em tempo real.
Unamuno, depois de dizer que "a mentira mata a alma", afirma que a pergunta mais instigante do "Novo Testamento" é a de Pilatos: "O que é a verdade?" Eu acrescentaria a do bom samaritano: "Quem é o teu próximo?"
Assisti numa tarde, no Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro, a Carlos Lacerda fazer um dos mais brilhantes discursos de nossa vida parlamentar. Naquele tempo, como no Império, davam-se nome aos discursos, e aquele foi chamado de "A Corrida dos Touros Embolados", touradas em que os touros não morrem. Lacerda falou da mentira na política. "Tudo aqui é fingido. Tudo é mentira", disse ele. "Finge-se a amizade, finge-se a revolta, finge-se o amor". E terminou: "Aqui, até o ódio é fingido".
Agora, a mentira não é mais falta de caráter e deslize de conduta. É razão de Estado, como consagra o Pentágono.
Mesmo nos EUA, a reação a esse novo departamento é grande. No Brasil, a coisa fica mais preta diante da recente abertura ao capital estrangeiro da área de informação.
Tancredo, certa vez, quando perguntei-lhe por que não aproveitara em seu governo um ativo colaborador de sua campanha, respondeu com gingado irônico: "Ih!, esse mente demais". Agora, poderia ser recrutado para o Pentágono. No Nordeste, esses tipos são designados pela expressão: "Mente mais do que cabra parida".
De tudo isso, nos sai a melancólica constatação de que o mundo destrói os códigos morais que construíram a digna convivência entre os humanos.
E o exemplo parte do grande país dos direitos humanos, que adota a fórmula stalinista de que os fins justificam os meios. Um bom nome para o novo órgão seria o de "departamento estratégico da cabra parida".
Diário do Amapá, 7/11/2011