A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) pode tornar hoje o candidato à presidência da República do PSL, Jair Bolsonaro réu pela segunda vez. Ele já o é por incentivo ao estupro, devido ao episódio envolvendo a deputada Maria do Rosário. Desta vez, será julgado, antes do início da propaganda eleitoral de rádio e televisão a próprio pedido, por declarações consideradas racistas sobre os quilombolas.
A maioria da Primeira Turma já firmou posição de que a imunidade parlamentar não significa impunidade, como disse a ministra Rosa Weber. E que o parlamentar só tem direito à proteção da lei caso suas palavras tenham sido proferidas durante o mandato e em função dele.
Hoje, os ministros terão que decidir se, quando Bolsonaro mediu o peso dos quilombolas em arroubas em uma palestra, queria compará-los a animais, como está sendo acusado pela Procuradoria-Geral da República, ou se foi apenas um vício de linguagem, uma piada de caserna, sem insinuações racistas.
Os comentários de Bolsonaro ganharam ressonância maior devido a declarações de seu candidato a vice, General Mourão, para quem o Brasil "herdou a cultura de privilégios dos ibéricos, a indolência dos indígenas e a malandragem dos africanos". Mesmo tendo se declarado indígena no registro no TSE, o General provocou polêmica.
O historiador Alberto da Costa e Silva, da Academia Brasileira de Letras, o maior especialista brasileiro em África, tem outra visão: “Foi o africano que ensinou o europeu no Brasil a batear o ouro dos rios, a cavar poços, a fundir o ferro. Foi o africano que desenvolveu a pecuária de grande extensão, onde o gado é solto no pasto, sem currais. Os africanos trouxeram uma nova maneira de vestir e de se comportar, de sentar, caminhar, construíram a casa de pau a pique, diferente da casa de taipa de Portugal. Os africanos trouxeram novos instrumentos musicais, comidas, vegetais”, cita o historiador.
Costa e Silva lembra que o português falado no Brasil foi influenciado e enriquecido com palavras de línguas faladas, principalmente, em Angola. “Quando eu xingo, eu estou falando em kikongo, quando eu cochilo, estou falando em kimbundu”.
“Uma troca permanente de culturas, costumes, que nos deu o maxixe e levou de volta a mandioca, o milho”, ressalta. O acarajé é encontrado na Nigéria, Togo, Gana e Benin, onde viveu Alberto da Costa e Silva como embaixador do Brasil. “Foi uma troca de modos de viver, de valores, de gostos de um lado para o outro”.
O também historiador e sociólogo Jorge Caldeira avalia que a visão de uma suposta indolência indígena mudou radicalmente a partir da década de 1970, quando antropólogos, através de novas métricas, constataram um trabalho de alta produtividade. “Hoje não há quem deixe de avaliar como muito relevante o trabalho indígena na formação da riqueza nacional”, afirma Caldeira, que tratou do assunto em um texto intitulado “Teoria do Valor Tupinambá”.
O tema da malandragem, como ressalta o antropólogo Roberto DaMatta, tem a ver com um Estado centralizador e injusto. Quando se tem uma relação com o Estado que não é de confiança, diz ele, “você cria o jeitinho e a malandragem”, como tratou no livro de 1979 “Carnaval, Malandros e Heróis”.
Jorge Caldeira reforça a tese dizendo que era uma “necessidade imperiosa” adaptar os comportamentos para a sobrevivência numa realidade econômica e cultural muito distante daquela que criara os preceitos legais e morais, sobretudo em Portugal.
Para Roberto DaMatta, a suposta “indolência vem de nós, que criamos um Estado para nós”. O antropólogo avalia que devemos ao negro “tudo o que foi construído no Brasil, até hoje. “Os negros carregaram nas costas nosso sistema de água, nosso sistema sanitário. O escravo foi um dos elementos da nossa civilização”. Já os índios, cuja tribo Gaviões Roberto DaMatta estudou in loco, “foram catequizados e massacrados”, afirma.
Um julgamento negativo para Bolsonaro, que está em primeiro lugar nas pesquisas quando Lula não aparece, reacenderá a polêmica jurídica sobre se um réu pode ser candidato à presidência da República, tema posto desde que o mesmo Supremo retirou da linha sucessória por esse motivo o senador Renan Calheiros, então presidente do Senado.
Esclarecimento
O trabalho do cientista político Jairo Nicolau sobre a transferência de votos no nordeste foi originalmente publicado no blog Observatório das Eleições da Unicamp.