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Arnaldo Jabor ‘nos fazia resistir porque era belo chegar lá’

 

Está sendo uma semana histórica para a cultura e as artes. Além do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, em 13 de fevereiro, morria num hospital de São Paulo, por volta dessa mesma data, o carioca Arnaldo Jabor, aos 81 anos de idade. Como todo mundo sabe, Arnaldo era jornalista, poeta e cineasta, praticando essas atividades simultaneamente e com enorme sucesso.

Sempre pensei que vivíamos neste planeta como hóspedes, embora nos tratassem como senhores de seu terreiro, sua fauna e sua flora, de sua natureza. Existiam apenas nós e o planeta, o resto eram impedimentos que devíamos vencer para merecermos a vida absoluta e gloriosa que nos esperava sempre em cada horizonte.

O que está acontecendo com a Humanidade? Somos hóspedes, como a planta, o passarinho e a onda do mar, mas só sabemos nos comportar como senhores. E, de repente, depois de tantos milhões de anos silenciosos, o mundo decide reagir à nossa folga e nos condena a tsunamis, vulcões e temporais. Além de variados cânceres e AVCs. Nunca nos demos perfeita conta do que teria sido, no passado, o fim da Antártida, a separação dos continentes, o domínio dos sapiens sobre os outros humanos, essas banalidades.

Enquanto isso, Daniel Ortega, ditador reeleito da Nicarágua, promete julgar 47 adversários políticos, sendo sete deles ex-candidatos, concorrentes derrotados. Em Paris, o fotógrafo fino René Robert, de 84 anos, morre ao relento, pelas bandas agitadas da Place de la République, depois de passar desmaiado de nove da noite até a manhã seguinte, quando os bombeiros vieram resgatá-lo.

E de Covid morre também Lata Mangeshkar, cantora indiana de 92 anos, que transformara a música folclórica de seu país em canções pop de enorme sucesso. No mesmo 6 de fevereiro em que a Rainha Elizabeth II fazia 70 anos de Reinado e não quis comemorar em respeito aos mortos da pandemia e às festas de Boris Johnson.

E lá está ele, Arnaldo, branco senhor de seus lençóis, sereno em seu trono horizontal para que possamos nos despedir dele, para que fale bem de nós quando estiver fazendo o balanço que todos faremos pela mente dos que ficaram. E sentiremos a dor de estarmos perto porém longe, por termos perdido um amigo inigualável e um guia de sentimentos e de rumo na vida que nunca conhecemos neste mundo.

Aquele que, mesmo quando não nos dizia que íamos cansar, nos fazia resistir porque era belo chegar lá. E lá ele nos deixava, felizes e feliz. Ah, meu coração sangra.

O Globo (RJ), 16/02/2022