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Armadilhas petistas

 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, à medida que se fortalece junto ao Congresso nas negociações para as reformas econômicas, vai alimentando uma animosidade interna no PT que pode lhe ser benéfica na medida em que agrega apoios no centro partidário, mas dificulta sua marcha na sucessão de Lula.

Sem dúvida Haddad hoje é o petista mais bem colocado numa presumível disputa caso Lula não seja candidato à reeleição. Com os bons resultados obtidos até o momento, ele se dispõe a fazer análises como a que fez ontem, na entrevista ao Estúdio i na GloboNews, sobre a necessidade de haver renovação na política brasileira, sem se sentir obrigado a explicitar sua lealdade ao presidente Lula.

Nem poderia ser de outra maneira. Os últimos que resolveram enfrentar Lula dentro do PT, o hoje deputado Eduardo Suplicy e o ex-ministro Cristovam Buarque, acabaram inviabilizados no partido. Seria, sobretudo, um erro político crasso sugerir uma disputa a esta altura do terceiro governo Lula, que ainda tem mais de dois anos pela frente.

Haddad é um ministro da Fazenda que negocia com o Congresso sem as amarras ideológicas e, num ambiente majoritariamente hostil à esquerda, conseguiu separar a política da economia, garantindo apoio às mudanças que vem promovendo.

Não é possível acusá-lo de não ser de esquerda, como o PT costuma fazer com figuras como José Serra ou Fernando Henrique, definidos pateticamente como direitistas pelos petistas. Enquanto Lula estiver à disposição do PT, esse infantilismo será neutralizado pela força de liderança dele.

Mas, se não houver renovação de quadros, provavelmente o PT sem Lula se transformará num PDT da vida sem Brizola, um PTB de Roberto Jefferson, partidos irrisórios na disputa política brasileira. Diante de uma direita que se organiza com mais rapidez, a esquerda, acostumada a se esconder à sombra do lulismo, corre o risco de ser derrotada nas próximas eleições municipais, preparando terreno para que 2026 venha a ser uma eleição de retorno da oposição ao poder, mesmo que Bolsonaro venha a ser carta fora do baralho na corrida presidencial, por inelegível.

A visão política de Haddad é bem mais ampla que a do núcleo dirigente petista. Se ele for politicamente inviabilizado por ações do próprio partido, será uma reafirmação da tendência do PT de se fechar em torno de seus líderes, sem abertura para as mudanças que ocorrem no país e no mundo. A reação do Itamaraty sobre o ataque do Irã a Israel foi decepcionante, mas previsível.

A política externa brasileira está muito mais próxima da de países ditatoriais como Irã, que tem importância geopolítica na região, que do apoio a Israel. Na visão dos analistas governamentais, o futuro estará mais com os países hoje periféricos que com a Europa ou os Estados Unidos. A reação tem lógica do ponto de vista do governo brasileiro, mas é completamente equivocada e nos separa do mundo ocidental, onde deveríamos estar.

O Brasil faz uma escolha, aposta num futuro que nada indica acontecer tão cedo, se afastando das principais potências do Ocidente para se aliar a ditaduras do Oriente Médio, à Rússia e à China. Não deveria estar nesta onda revisionista, de acreditar que o poder hegemônico do Ocidente vem sendo superado. A condenação ao Irã seria uma reação normal de um país integrado no Ocidente, como fez o G7. Não é preciso apoiar nenhuma barbaridade que Israel faça para criticar um ataque em massa como o feito pelo Irã ou o ataque do Hamas, que iniciou esta guerra. Ser neutro já é uma posição que favorece quem atacou — como no caso da Rússia com a Ucrânia. Na política internacional, igualar os desiguais significa apoiar quem ataca.

O Globo, 16/04/2024