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Aquilo que se vê

 

Nada é para ser visto imóvel no mundo. Assim como não podemos ver nada imóveis diante do que se vê, porque nada é apenas aquilo que se vê. A errância de quem olha para o firmamento é fundamental para acompanhar aquilo que se move no céu. O errante navegante é uma lei natural que não temos como desobedecer, pois não conheceremos nunca nada que esteja no mundo se não formos capazes de errar nos dois sentidos do verbo.

Errar nos dois sentidos do verbo: como quem passeia pelo mundo em busca de seus elementos, assim como errar pelo caminho como quem procura alguma coisa que nem precisamos saber o que é. Esse é o modo natural e humano de se viver o mundo e no mundo, em busca de seus segredos, em busca daquilo que nos sirva para alguma coisa.

E é assim que devemos tentar entender o Brasil, com esses erros nossos e dele, com essa capacidade de nos situar dentro do que ele pode ser para nós. Ou independente de nós. Nada será sempre uma coisa só, de todos os cantos em que olharmos essa coisa. E o Brasil é um país que, ao contrário de muitos outros, será sempre diferente, dependendo de onde ele estiver ou estivermos vendo-o.

Houve um tempo em que o Brasil era, para nós, a correção de um mundo dividido exclusivamente entre liberdade e igualdade. Nós seríamos um terceiro elemento, a fraternidade que capitalismo e socialismo não sabiam inventar para a vida humana, um mito do qual só nós conhecíamos o segredo, que só nós tínhamos o segredo e a capacidade de construí-lo, pô-lo ao sol do Universo.

Nós não sabíamos como formular a fraternidade, mas tínhamos a certeza de que éramos o único povo capaz de praticá-la. Capaz de inventá-la a partir do que ela precisasse ser para existir.

Desde 1964, com a ajuda sinistra de nossos generais e de nossos principais investidores, fracassamos e nos tornamos o risonho povo fraterno que não podia mais salvar o mundo da disputa que iria acabar com todo o mal do mundo. E, junto com ele, iria acabar com o próprio mundo — este mundo! Nunca mais quero sofrer o que sofremos como consequência desse fracasso nacional de cada um.

Não vejo vantagem nenhuma, não quero virar o único carnaval da multidão sob a face da Terra, não faço questão de ser conhecido desse jeito. Prefiro outro prestígio.

Aquilo que se vê, meu irmão, é o que se tem. Transformar um país bárbaro, feito de muitas etnias tão distintas, às vezes até conflitantes, em uma nação organizada e harmoniosa é que é a nossa tarefa. E essa harmonia será o sinal de nossa civilização, uma outra civilização que não é a que existe por aí. Porém um sinal definitivo de nosso sentido na vida e no Cosmos, nosso rumo.

Como fazer isso? Não é que o Brasil esteja à nossa disposição. Mas vamos acreditar que podemos escolher o caminho que podemos seguir. Aí, quem sabe, um dia chegaremos lá.

 

 

 

 

 

 

 

O Globo, 25/06/2023