No momento em que a inflação oficial de 2011 é anunciada como a mais alta desde 2004, atingido o teto da meta, mas sem ultrapassá-lo como muitos temiam, para alívio do governo, o economista André Nassif, da Universidade Federal Fluminense e do BNDES, em artigo que está saindo numa edição especial da Revista de Economia Política, editada por Bresser-Pereira, propõe que, devido à dificuldade para levar a taxa de juros ao centro da meta no ano, o prazo desse “ano oficial” poderia ser ampliado para 18 meses.
A sugestão de Nassif seria oficializar o que o Banco Central sob nova administração está fazendo informalmente, já que hoje o próprio governo já admite que este ano a inflação continuará acima da meta, mesmo que cadente, deixando para 2013 o objetivo de voltar ao centro da meta.
Longe de significar a aceitação de “um pouco mais de inflação” em benefício da taxa de crescimento, Nassif afirma que dar mais espaço para reduzir a taxa Selic poderia ajudar a ajustar o que identifica como um “desalinhamento” na taxa real de câmbio, que pelos seus cálculos deveria ser de R$ 2,90.
Segundo o trabalho, “mais cedo ou mais tarde a depreciação deverá ser provocada pelo próprio mercado”, e Nassif vê pela frente dois possíveis cenários: caso haja nova crise global, acontecerá uma megadepreciação igual ou maior que a ocorrida entre setembro e dezembro de 2008 e, por isso, ao contrário do que muitos propagam, ele considera que “não é verdade que hoje a economia brasileira esteja mais blindada contra crises que em 2008”, pois naquele ano ainda tínhamos equilíbrio em conta corrente.
Se não houver crise, e o cenário for de lenta recuperação global, Nassif acha que o Brasil poderá crescer a taxas mais elevadas a partir do ano que vem, “mas, mantida a tendência à apreciação do real, os déficits em conta corrente acabariam por ajustar o câmbio”.
O economista diz que a novidade do trabalho é mudar, e não eliminar, a administração do regime de metas de inflação, o que ele acha que Alexandre Tombini está tentando.
Nassif identifica pelo menos três novos aspectos na política do Banco Central: uma melhor coordenação entre as autoridades monetárias e outros ministérios econômicos, especialmente o Ministério da Fazenda; o uso de outros mecanismos de controle monetário, como medidas macroprudenciais; e o fato de que pela primeira vez desde a introdução do regime de metas de inflação as autoridades estão tentando trabalhar o regime focalizando não apenas a inflação, mas também o estado da economia real.
Nassif diz que é um engano imaginar que a coordenação entre as políticas fiscal, monetária e de câmbio significa uma maneira de reduzir a independência operacional do Banco Central.
Em suma, o artigo mostra que, ao contrário do que muita gente propaga, o Brasil não está hoje mais bem preparado (ou “blindado”) para enfrentar eventual grave crise global como a de 2008; o modelo atual não sustenta o crescimento da economia no longo prazo e vai condená-la a ciclos de stop and go, como tem sido desde 1999.
E propõe medidas de política econômica para mudar tal modelo, o que o economista chama de um “mix” (mistura), mais ou menos como fazem os asiáticos.
André Nassif diz que esse tema continua na ordem do dia “e é o centro do debate da política econômica brasileira”.
Afinal, desafia, por que os juros não caem como deveriam, e por que o real mantém tendência persistente de valorização?
Nas contas de Nassif, o real só deprecia quando enfrentamos choques internos e externos, como aconteceu em 2001 com o racionamento para evitar o apagão; em 2002-2003, na transição eleitoral de FH para Lula, e em 2008, com o impacto da crise global.
Ele acha que “provavelmente ocorrerá nova forte depreciação caso a crise global se agrave”, desta vez com o agravamento da crise do euro.
Mesmo se não houver crise, o real não é sustentável no nível em que está, diz Nassif, mesmo em torno de R$1,80/US$, “porque os déficits em conta corrente cresceriam fortemente com a retomada do crescimento no Brasil”.
Mesmo com o argumento de que temos reservas de mais de US$ 300 bilhões, Nassif adverte que “quase metade disso foi comprado nos últimos dois anos pelo Banco Central com capitais externos líquidos que vieram para financiar os déficits em conta corrente”.
Apenas para dar uma ideia do tamanho do problema, ele lembra que o saldo da balança comercial foi reduzido de US$ 46 bilhões para US$ 20 bilhões entre 2006 e 2010.
“Enquanto nesse período as exportações tiveram um acréscimo de 46%, as importações sofreram um incremento de quase 100%”.
No mesmo período, o saldo em conta corrente se reverteu de um superávit de US$ 13,6 bilhões para um déficit de US$ 47,4 bilhões. Em 2011, o déficit em conta corrente deverá alcançar cerca de US$ 50 bilhões, cifra ainda assim bem inferior ao inicialmente projetado pelo mercado (US$ 70 bilhões) “apenas porque reflete a forte desaceleração da economia brasileira no segundo semestre”.
O economista da Universidade Federal Fluminense destaca em seu trabalho o que classifica de “pobre performance” do Brasil no período 1999-2011: crescimento médio anual (3,4%) do PIB bem menor do que os emergentes e em desenvolvimento (6,0%) e menor do que o PIB mundial (3,7%).
Entre as razões que aponta no artigo para essa medíocre performance está “uma política macroeconômica muito estreita, especialmente a monetária, que, centrada no regime de metas de inflação, deu demasiada importância à estabilidade de preços, em detrimento de outros objetivos”.
André Nassif ressalta que não tem “qualquer discordância” com relação à importância da responsabilidade fiscal e defende que os gastos correntes do governo mantenham trajetória de crescimento inferior ao crescimento do PIB, de modo a liberar maiores recursos para investimentos públicos que, ressalta, “continuam medíocres no Brasil”, sendo menos de 2% do PIB, comparados aos quase 9% em curso na Índia, por exemplo.
A crítica principal, diz ele, é que somente o ajuste fiscal não é condição suficiente para que as taxas de juros de curto prazo no Brasil caiam.
O Globo, 7/1/2012