Este espaço jamais pode ser usado para assuntos pessoais. Aqui não tenho o Senado para atrapalhar-me, e sim o gosto de escrever. E nada melhor do que escrever sobre o livro.
Sempre acreditei que o livro e o jornal jamais acabariam. Sempre que surge uma nova tecnologia eles entram na berlinda. Leio, citado pelo jornalista espanhol Antonio Milan, que em 1894 perguntaram a um especialista qual seria o destino do livro no futuro: “Se por livro entendermos as inumeráveis somas de papel impresso, encadernadas sob uma capa com um título, reconheço que a invenção de Gutenberg cairá em desuso.” Para ele, a vez era da reprodução fonográfica. Era o som que entrava com tudo.
Com o advento da sociedade de comunicação, essa discussão aumentou e o fim do livro foi anunciado. Agora é a vez do e-book e do kindle. Este é capaz de armazenar milhares de obras, que podem ser lidas, anotadas e folheadas. É uma tecnologia mágica, uma dessas porções que os bruxos da Idade Média buscavam criar.
Ela não deve ser descartada, mas não substitui o livro. Creio que sua maior aplicação será para estudantes, que, em vez de uma mochila cheia de cadernos e tratados, vão poder ter todos os livros de consulta à mão. Mas o livro impresso é uma tecnologia mais avançada. Não precisa de chips em placas que se encaixam umas às outras, de modo a levar à tela os textos, necessitando de energia nas baterias, que devem ser alimentadas de tempos em tempos. O livro não precisa de nada disso; não quebra e pode cair.
Não sei se é por amor ao livro, mas tenho como dogma, desses de fanáticos, que eles continuarão, assim como os jornais, e jamais serão passados para trás. Há no livro o gosto – livro tem gosto, desde o táctil até o cheiro bom.
Um amigo, o grande tradutor francês Jean Orecchioni, certa vez me disse que leu num livro uma descrição tão realista do mar que ficou enjoado e teve de tomar remédio para o balanço dos barcos.
Por milhares de livros que possam acumular essas máquinas, elas jamais acumularão os tantos livros que existem num livro. Quantos livros há no Dom Quixote, o cavaleiro da triste figura? São milhares, e cada frase é um livro. São emoções que não acredito que se possa ter num livro eletrônico, em que a própria tecnologia interfere em sua leitura, que tem de permanentemente manusear os botões de sua máquina.
Mas salvará definitivamente o livro a poesia. Ela não cabe numa tela e não precisa do mercado, porque seus leitores são os restritos poetas que fizeram o provérbio “Poetas por poetas sejam lidos”.
Sempre precisaremos desse companheiro, que, como dizia o poeta espanhol Manuel Machado, nos leve da “prosa ao sonho”.
Folha de S. Paulo, 19/6/2009