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A.C., a era de Trump

 

Até o secretário de Segurança dos EUA já disse que a estratégia do muro que Donald Trump mandou construir na fronteira com o México não vai funcionar. O general John F. Kelly argumenta que a imigração ilegal e o tráfico de drogas devem ser combatidos não assim, mas na “raiz, na sua fonte”. Além disso, acrescentou, essa barreira de três mil quilômetros terá que ser apoiada por patrulhamento humano, sensores e dispositivo de monitoramento. Sem falar nos custos, que variam entre US$ 9 bilhões e US$ 15 bilhões. Quase 30 anos depois do fim do Muro da Vergonha, de Berlim, que dividiu ideologicamente o mundo, Trump continua preferindo como solução essa experiência fracassada. Quanto à conta, sua prepotência alega que quem vai pagá-la é o país vizinho, embora falte combinar com os mexicanos, pois o presidente Peña Nieto não só reprovou a decisão americana como afirmou: “O México não pagará por qualquer muro”. E cancelou o encontro dos dois nos EUA. Em represália, há a ameaça de um imposto de 20% sobre os produtos importados do México. Quer dizer: mesmo antes de existir, o muro está servindo para separar países amigos, dando razão ao Papa Francisco, que pregou: “Precisamos de pontes, não de muros”. 

Essa foi uma das principais promessas de campanha do candidato republicano. Para outra, a luta contra o terrorismo, ele acaba de se declarar simpático a um método medieval: a tortura por simulação de afogamento, o waterboarding. “Acredito absolutamente que a tortura funciona”, declarou, depois de consultar seus chefes de Inteligência. “Quando o Estado Islâmico faz coisas próprias da Idade Média, eu vou me preocupar com o afogamento simulado? Combateremos fogo com fogo”. Ou seja, sua inspiração é a Lei de Talião — do “dente por dente, olho por olho” — um costume de alguns séculos antes de Cristo, época na qual Trump parecerestar vivendo. 

Quem não parece preocupado com esse retrocesso moral é Wall Street. Decretos favoráveis às empresas fizeram a Bolsa de Nova York bater recorde. O otimismo dos investidores levou o índice Dow Jones a ultrapassar a marca histórica de 20 mil pontos. Como se diz onde o mercado é a medida de todas as coisas, se o lucro vem, que mal tem?

Ao contrário do que afirmava Tom Jobim — “no Brasil, sucesso é ofensa pessoal” — Eike Batista não pode reclamar. Foi bafejado pela sorte, cortejado pelos políticos e exaltado pela imprensa, inclusive a internacional. Que o diga a revista “Forbes”, que inventou essa badalação de sétimo homem mais rico do mundo, um título que ele usava com orgulho até para sua última aventura: uma pasta prometendo tornar mais branco o branco dos dentes. O criador do Império X já foi mais criativo.

O Globo, 28/01/2017