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Discurso de posse

DISCURSO DO SR. ALCIDES MAYA

Senhores,

“Conservar no meio da federação política a unidade literária”, eis, na frase sintética de Machado de Assis, ao abrir a sessão inaugural da Academia Brasileira de Letras, o desejo que vos reunia.

Completaram o luminoso dizer outras palavras luminosas: “A formação da Academia, – sentenciou Joaquim Nabuco, – é a afirmação de que literária, como politicamente, somos uma nação que tem o seu destino, o seu caráter distinto, e só pode ser dirigida por si mesma, desenvolvendo a sua originalidade com os recursos próprios, só aspirando à glória que lhe passa vir do seu gênio.” À luz destas idéias, era à nacionalidade que pretendíeis erigir um monumento quando, sob a invocação dos grandes nomes da literatura pátria, lançastes no passado os fundamentos a vossa construção.

Poemas iniciais da terra, ainda escritos, em prosa ou verso, com a tinta dos cronistas e dos poetas lusos, e decantando a travessia, a conquista, a catequese: primeiras manifestações de lirismo americano; a imprensa e a tribuna da independência; carmes românticos; comoções, entusiasmos, glórias, desastres, esperanças da nação, tudo isso revive no culto a que vos dedicais. Consagrando-lhe as energias do vosso espírito, revelais possuir elevadíssima idéia da influência que poderá exercer sobre o nosso futuro de povo a cultura artística. O destino do Brasil é o oriente desta casa de alicerces enterrados sociologicamente numa história de três séculos. Por isso, a Academia Brasileira há de ser sempre o sonho querido das gerações novas.

De mim, direi que um dos mais fortes motivos do meu orgulho ao transpor estes umbrais, é vir ocupar uma cadeira que simboliza a alma nacional.

Basílio da Gama e Aluísio Azevedo são dous atestados eloqüentes da diferenciação americana da língua e da raça portuguesa. É clássico o risco do Uruguai; mas quem não sentirá que nasceu nas solidões do Novo Mundo a musa do poeta? Adorável adolescente musa de um continente virgem! Nos versos que inspira, nos conceitos que comunica, nas ânsias que desperta, na melancolia que verte n’alma, nos ímpetos com que abala, no amor que ensina, já que existe a selva, a montanha, o pampa, o rio da América e já, em cenário imponente, se mescla o rito cristão aos ritos bárbaros, enquanto, orquestra inaudita, com os címbalos da Ibéria se confundem os maracás em retroada.

Aquele sonho de poesia selvagem, cantando em metros em que há

Um não sei quê de magoado e triste
Que os corações mais duros enternece,

aquele sonho será logo em seguida um ideal de pátria. Foi a esse ideal que serviu Aluísio Azevedo; será a pátria que ao vosso lado servirei.

Era justo que o Rio Grande do Sul fosse representado aqui: o gaúcho defende e mantém nas fronteiras do Sul a obra titânica do bandeirante. Ele é o irmão do sertanejo. Sirva e amparo ao meu áspero e rude regionalismo essa verdade de sangue, de sacrifício e de sentimento comum.

A função da Academia é ligar o Brasil de norte a sul, sistematizando e consagrando todas as manifestações da alma coletiva, ao invés de as repelir a pretexto de bom gosto ou de as esquecer em nome da metrópole. A não ser assim, a vida brasileira ficaria reduzida nas letras ao espetáculo cosmopolita das cidades litorâneas, a língua se limitaria à versão dos clássicos, teríamos uma arte de reflexo estrangeiro. A não ser assim, por que estaríeis reunidos?

Modelo de unidade superorgânica é a França, que tem em Paris o coração e o cérebro, e ao respiro da Capital aviva o sangue das artérias sempre jovens. O esforço dos estadistas, dos capitães e dos poetas realizou naquele país, de origens bárbaras, mas, pela cultura, herdeiro de Roma, o milagre de uma perfeita fusão espiritual de elementos étnicos heterogêneos. Abrasadas no mesmo ideal, sucedem-se gerações e gerações, umas vencidas, outras triunfantes, estas cavalheirescas, aquelas práticas, e, afinal, as populações justapostas se unem agregadas, as células sociais adquirem consciência, forma-se a nação. Mas, em Paris, coexistem harmoniosamente todos os bairrismos franceses, os acentos das velhas províncias, os pendores utilitários da Normandia, a meditação bretã, a poesia sentimental da Provença, a bravata do gascão. Floresça também entre nós, no vasto sistema das forças nacionais, com o regionalismo sertanejo, o regionalismo da campanha gaúcha, e sobre as vossas mesas de trabalho, às horas de criação, respirareis um aroma exalado do próprio seio da terra brasileira.

Aluísio Azevedo revelou-se, à sua feição, um regionalista, apesar de desviado pelo naturalismo do rumo que devera ter seguido.
Processos de composição literária não mudam a alma de quem os emprega, e a do autor d’O mulato e d’O cortiço era tipicamente americana. Fixemos este ponto, antes do estudo que vamos fazer sobre os seus esforços de paladino entre nós, de uma escola nascida na Europa de circunstâncias locais alheias ao nosso desenvolvimento de nacionalidade em formação. Aluísio Azevedo adotou um programa cujos artigos essenciais gerais de estética, aceitos em todas as grandes épocas, esquecidos ou falseados pelas últimas gerações românticas; mas, ao mesmo tempo obedecia a razões que não podíamos adotar na remodelação da arte nacional, sem cairmos e um erro ingênuo em falta grave.

Os românticos haviam abusado dos proscênios medievos, dos tons do Oriente, do pitoresco sentimental nos quadros da Natureza. Essa destemperada cenografia reflete o desregramento emotivo produzido pelo desmoronar da antiga sociedade. Aos próprios desertos da América viera pedir tinta, linhas e figuras a grande escola revolucionária; pedira-as ao lendário nórdico, às canções de gesta, ao romanceiro espanhol; à floresta, à montanha, ao oceano. Em praias ermas, através de selvas, na montanha, ao oceano. Em praias ermas, através de selvas, na monotonia de rochedos islenhos ou à borda em lânguida curva dos lagos tranqüilos, Qu’effleurait l’hirondelle agile depara retiro de sonho e revel, a fugir preconceitos, ou o triste, ávido de solidão. A princípio, a meia-idade reviveu entre campanário e barbacã, a fantasia errava de claustro em claustro, de castelo em castelo, namoradiça das cortes de amor, das justas, da sombra silenciosa das naves, e a bruma das lendas, entretendo a imaginação, esbatendo a realidade, amenizando o enlevo das evocações o escalavro das ruínas, compunha o fundo incerto, mais sedutor na incerteza, dos devaneios artísticos.

Mas à poesia do Rei Artur, de Rolando e do Cid aliou-se em breve a de Antar, a sultana apareceu ao lado da castelã e da monja, aproximou-se da torre nevoenta o minarete soalheiro, o Oriente lindado pela tradição à orla dos Pireneus com a espada Carolina, fascinou os românticos, oferecendo-lhes ao pensar inquieto uma pausa de miragem sensual. Receberam matiz que lhes faltava as ondas azuis do mar latino, os perfumes de Provença e da Andaluzia foram mesclar-se aos de Istambul, adquiriu prestígio entre amadores o luar do Bósforo, e, em moda bailadeiras e paxás, iatagãs, oásis e turbantes, tornou-se o harém para todos os bardos um termo de encantadora cruzada imaginária.

O êxito popular de certos romances de aventura mostra a influência dessa escola, a exaltação imaginativa do público, alimentada por essa poesia de tesouros ocultos, e gôndolas misteriosas, de calabouços à beira-mar, de combates, de raptos, de bandidos generosos, grandes tipos heróicos agindo solitários contra a sociedade organizada... Revela-a ainda o fato de haver extraviado vistas na mesma direção Honoré de Balzac, imitado por Flaubert, que, segundo confessou em graciosa confidência a Máxime du Camp, receava morrer à mágoa de não visitar Benares...
O caso ideal do homem novo ninguém o formulou com a grandeza simbólica de Goethe; mas foi Lord Byron quem abalou mais profundamente a sensibilidade e a imaginação da época. O passeio triunfal dos seus personagens através das literaturas contagiou de rebeldia os poetas, da Alemanha à América, de Paris a Petersburgo, de Portugal à Itália.

D. João, Manfredo, Lara, O corsário e Childe-Harold apareceram quase ao mesmo tempo em reflexo às rochas do Cáucaso, ao longo do Mediterrâneo, deste lado do Atlântico.
Apesar de refutado por muitos, o Contrato social fora bem lido por todos. A Revolução embora aqui e ali denegada, continuava a vibrar na memória daquelas gerações. Alucinava-as ainda o titanismo napoleônico.

As margens do Sena, as principais correntes literárias da Europa, a de Walter Scott, a de Goethe, a byroniana, fundiram-se com o gênio local, representado por Alfred de Vigny, Chateaubriand, Lamartine, Hugo, Musset, George Sand, Gautier, na floração estranha porém magnífica do romantismo francês, de todos o mais impressionante pela variedade e pela reforma verbal.

Não tardou o descomedimento. Solidão da alma, – a sombra constelada de sonho dos primeiros gênios, – liberdade de amar, – o ímpeto que sublevara os maiores poemas do século, – princípios humanitários na ideação do passado e do porvir, espírito, forma, tudo se complicou de elementos disparatados, numa subjetividade sem termos. Exagerou-se o pendor místico, a cena de paixão, o lirismo nacionalista, a tristeza, a revolta...

É o desgosto do presente que gera nas civilizações convulsionárias a paixão exclusiva da natureza, a fuga para as idades pretéritas, o amor ao exótico. Primam em comemoração social os períodos assinalados pela consciência de um grande destino. A obediência espontânea e orgulhosa a ideais comuns sói exprimir-se em poemas cíclicos em livros sadios, numa arte de harmonia. Na Grécia, foi assim; foi assim em Roma, cuja epopéia máxima, a de Virgílio, consagrou os ideais capitolinos; assim na Renascença, movimento afirmativo do valor do homem, e assim, finalmente, na França dos séculos XVII e XVIII, quando a unidade nacional, assegurada pela realeza, permitiu o predomínio europeu da sua cultura.

Ao sobrevir a Revolução, que literariamente se chama Romantismo, a rebeldia contra os clássicos, coincidindo com o novo espírito filosófico e com os fragorosos acontecimentos do tempo, engenhou do apogeu à ruína da escola as criações mal esboçadas neste ligeiro ensaio.

O Naturalismo surgiu oportunamente, inscrevendo no seu segundo manifesto, como cláusulas matrizes, dissemos, a verdade psicofisiológica das ações na contemporaneidade dos ambientes. Traçara-lhe rota desde os primórdios do século a obra dos dous maiores romancistas modernos: Stendhal e Balzac.
Mas, a questão social se desdobra. Rouge et Noir e La Chartreuse de Parme abrolham da ética individualista do Império, a Comédia humana é a Revolução Francesa em fábulas burguesas, ao passo que os Rougon-Macquart representam, com o materialismo que avassalou certo período do século XIX, o aproveitamento em arte de vagos motivos socialistas, a poesia do operariado, a defesa dos miseráveis, a luta contra o capital. Homens e cenas de hoje, destacando em tela viva, indistinguível da própria natureza, eis a primeira regra do naturalismo; e como, em não havendo heróis, a arte, por uma tendência infalível, no intimo religiosa, elege vitimas simpáticas, os naturalistas nos seus libelos entrechados, em que o trágico alterna com a sátira e o épico se perde em licença, criaram numa congérie dantesca de miséria e torpeza, o Inferno contemporâneo dos corruptos, dos frustrados, dos desvalidos, – insolentes no vício, irresponsáveis no crime, ingênuos na objeção hereditária, assimilada ou imposta.
Mas, a nova escola transcendeu os princípios da estética.

Em arte, o teatro de ação valo pelos efeitos de ação, pelo desenho ideal do sentimento e das paixões, pelo símbolo de vida que o anima, releva e eterniza. Sem o dom de amar no sonho, o artista não alcançará jamais a perfeição, quaisquer que sejam o estilo, a forma e os visos naturais impressos à matéria em lavra.

Nos laranjais doirados da Canção de Mignon, a imagem sutil do poeta encerra não só o encanto do céu e da terra italiana, mas também a poesia do isolamento no amor, considerado como uma impulsão do destino.

A que montam pormenores em arte sem a sugestão de complexos estéticos de que a alma seja o centro? Não basta ao artista modelar tipos ou desenrolar painéis: para ser verdadeira, isto é, ordenada com beleza no sentido humano, a natureza – há de fremir de comoção, vibrar à idéia.

Aludindo ao debate entre o idealismo e o realismo na arte, redutível a um equívoco, Bergson afirma que “o realismo está na obra quando o idealismo está na alma” e que “é à força de idealidade que se toma o contacto com a realidade”. “E a arte, acrescenta, não tem outro objeto senão afastar os símbolos praticamente úteis, tudo o que nos mascara a realidade, para nos por face a face com a realidade mesmo.”

Essa proposição confunde verdade e erro. A tarefa do artista não é só comunicar imediatamente com as cousas, surpreender os ritmos fundamentais da vida, arrancar aos fenômenos “as etiquetas coladas sobe eles”.

É isso e é mais do que isso: é revelação e criação.
A arte impressiona mais que a vida se o gênio provoca em torno das figuras e das cenas a percepção direta das relações de assunto com a humanidade, com o que nos parece ser a natureza, com o que chamamos vagamente de alma das cousas, tão esbatida sempre às nossas vistas no infinito parcelamento fenomenal do Cosmos.

Mas, a que realidade se refere Bergson?
Haverá no universo uma ordem ideal ou uma natureza essencial, acessível às intuições do gênio, de que o belo seja reflexão, que o artista nos revele e cuja descoberta constitua o fim da arte?
Quem o sabe! A intuição, faculdade cerebral, a que Bergson dá um valor tão grande na sua crítica do entendimento, é, como todas as outras, relativa. Sabemos que arte é a exaltação poética, antropomórfica, sempre idealista, da realidade perceptível, não a sua compreensão intrínseca.

O artista não se limita a ver e revelar essa realidade: retoca-a, embeleza-a, representa-a à sua própria imagem, sonha-a melhor e mais bela e não a sonha ao acaso da fantasia. A imaginação e o sentimento estão sujeitos a leis: a representação estética do mundo depende do desenvolvimento do cérebro, das doutrinas, das idéias dominantes.

Surpreender a realidade (fenômenos e séries, interdependência, relações de fenômenos), isso compete à ciência, não à arte.
O Naturalismo errou neste ponto; mas, de outro lado, erra também Bergson, que o reprova.
Foi a ciência, por exemplo, que da queda de um fruto extraiu a lei da atração universal. Qual era a realidade que ainda se não manifestara de forma positiva ao homem, a realidade encoberta até aquele momento, não pelas etiquetas do útil, mas por falta de preparo mental anterior? A que Newton formulou cientificamente.

A partir daí o que no tema compete ao artista é exprimir a beleza dos mundos equilibrados no espaço pela força, erguer o homem vibrante à harmonia das esferas, aformosear com uma utopia nova, coadunada à consciência humana, a trama doirada dos nossos eternos sonhos.
Quando o divino Alighieri, concentrando num verso toda a luz espalhada, através do Paraíso, na ronda das estrelas e dos planetas, cantou L’amor che muove il sole e l’altre stelle, a realidade não era este amor, e sim a li expressa mais tarde na fórmula newtoniana...

A ser exato o conceito de Bergson, se a realidade viesse impressionar diretamente os nossos sentidos e a nossa consciência, se pudéssemos entrar em comunicação imediata com as cousas e conosco mesmos, a arte seria inútil, porque ouviríamos cantar ao fundo da alma, como uma música ora alegre, ora triste, quase sempre triste na sua originalidade, a melodia ininterrupta da vida interior; e porque os nossos olhos, auxiliados pela memória, recortariam no espaço e fixariam no tempo quadros inexcedíveis, esculpindo de relance em mármore vivo fragmentos de estátua tão belos como os da estatuária antiga.

Ora, entre os antigos, a escultura analisada, verbi gratia, nos monumentos supremos da arte grega, não se contentou com a realidade plástica obtida no exame das perfeições individuais. O estatuário obedecia aos cânones, mas, em sentido o ardimento do gênio, logo atribuía à obra uma beleza sonhada.
Pensai na Vênus de Milo ou no Apolo de Bervedere: por que se diferença de todas esta Vênus e por que excede este Apolo às outras representações do mesmo deus? – Porque, ensina Winckelmann, citando o último, – para compreender esta obra-prima é preciso ir em espírito ao reino da beleza incorpórea, como a não há no mundo real.

“Nenhuma veia, nenhum nervo aquece e agita esse corpo, mas um espírito celeste, que circula como doce eflúvio, enche por assim dizer todo o contorno da estátua.”
Não é outra, em face da Vênus de Milo, a impressão de Saint-Victor. Confirmando o juízo do esteta, o fino colorista da prosa francesa soube ver naquele bloco sem símile, “não a família de sangue e de lágrimas de Eva, mas a raça lapidar de Deucalião.

Na fronte, reside um pensamento divino; recobertos de sombras, os olhos mergulham sobre a arcada das sobrancelhas; mas o olhar, cego para o mundo exterior, concentra e irradia a luz...”
E não por serem deuses a Vênus e Apolo, trabalhou assim a escultura: esses traços, Senhores, são, em figurismo divino, a projeção ideal da nossa imagem, liberta das contingências materiais, – obra e sonho do homem, corrigindo e sublimando a natureza.

Em todas as artes, além do que Bergson chama revelação, vemos, atestado pelas obras-primas, o dom de combinação espiritual, o fiat humano  de beleza humana. O que domina esta paragem de encanto na aridez da terá é a ansiedade comovente de realizarmos uma vida superior à nossa vida. E quando o artista, na hipótese do pensamento despeado das formas concretas, devassa o destino, sonda a consciência e escruta o ideal, o que ele tenta surpreender nos vortilhões aparentes da vida e da morte não é o misterioso ritmo que as regula (isso cai no domínio transcendental das teologias); mas a poesia da morte e da vida, misto de instintos, de paixões, de fatalidade, de aventura, de sentimento e de idéia, amor ou ódio, ventura ou mágoa, esperança ou desengano. E no ato de criar, a imaginação espiritualiza todos os elementos, agrupando-os simbolicamente.

Eis a causa de viver o poeta em evocações, em aspirações, de resumir em sonho o universo e de emprestar aos arquétipos criados o toque subjetivo de ideais não atingidos ou que se perderam. E é por isso que os trabalhos artísticos formam um passionário personalíssimo, harmonia espiritual nascida ao tumulto dos sentidos abalados. E daí para o autor, executada a obra, o minuto supremo de um gozo quase divino. O semideus soube tecer a ilusão das formas, animar o vago, apor no mesmo plano o concreto e a idealidade; e agora, ao raio de sol que de si mesmo irradiou, vai estremecer consciências...
A substância eterna, velada nos temas, por vastos, excede a expressão, as imagens, ainda as grandes, riscam cintilando a sombra em torno, adivinham-se na obra, embora profunda, larvas e larvas de pensamento; mas que importa? Ele mostrou possuir um senso de unidade, o entendimento da alma, o poder de representação pessoal dos seres e das cousas, fundidos pelo seu gênio num quadro ideal mais belo que a existência real.

O Naturalismo quis arrancar ao artista a sua faculdade característica, esqueceu que arte é realidade idealizada, não a cópia da realidade; e falhou por isso, e por haver tentado substituir o símbolo pelo modelo, a intuição pela experiência, a síntese pela análise. O Naturalismo recebeu a herança de Beyle e de Balzac, atraiu o talento verbal de Flaubert e dos Goncourts, contou com a veracidade amável de Daudet, obteve as rutilações de Maupassant, inspirou a novela psicológica à Bourget e à Barrès; mas, quem o impôs como escola foi Emílio Zola, mestre de Aluísio Azevedo.

Ora, ninguém compreenderá os Rougon sem o estudo preliminar das influências teóricas e práticas recebidas pelo autor. No seu tempo, através dos sistemas em controvérsia, predominava a noção da lei, que não era nova, – datava de longe, – mas estava em evidência pelas descobertas da Química e da Biologia, legado da fase enciclopédica anterior.

Zola ignorava que o desenvolvimento das ciências deve ser apreciado sociologicamente, que ciência e Filosofia sempre tenderam a sínteses subjetivas e que a arte, apesar de submetida à sistematização dos conhecimentos gerais, só inteiramente falseada em essência, em intuito e em processos, adotará as vistas particulares ou os métodos empíricos dominantes nas especialidades. Um ensaio acadêmico sobre paralisia geral progressiva, como verdade clinica, terá mais valor que a tragédia de Hamlet aos olhos de um clinico, não aos nossos olhos, como verdade humana. E quem, ante o amor de Desdêmona pelo Mouro, indagará se conviria submeter a peça a observações médicas, resumidas em sucinta memória sobre o histerismo? Os lances morais em arte não podem ser interpretados conforme teorias tomadas de empréstimo a ciências mais ou menos especializadas, que no atropelo dos laboratórios, nos acasos de hospital e na tonteira dos gabinetes fechados às grandes sínteses levam a soletrar lentamente sobre fatos, fatos e fatos pequenas certezas de um dia...

Quando foi da recepção de Pasteur, sucessor de Littré na Academia Francesa, Renan aconselhou ao sábio, naquela frase elegante em que a ironia, recortada em arestas de cristal, se forrava de seda, moderação no preconício do critério experimental, aplicado à história e à Filosofia...
De certo, Littré não fizera experiências... “mais, vraiment, il n’en pouvait pas faire”...

Sobejava-lhe a razão, a Renan: o domínio de Littré, cujo positivismo Pasteur atacara em nome dos laboratórios, era o espírito humano e não se subordina o espírito, a mais complexa e delicada das relações, às mesmas pesquisas feitas no estudo de um metal ou num exame de bactérias. Dante, Shakespeare, Cervantes... esses não esperavam  as provas científicas obtidas por Claude Bernard nos cursos práticos do Colégio de França, nem as leis de Darwin ou as hipóteses de Lombroso, para acabamento das obras-primas imortais que nos legaram. E eu vos pergunto: qual dos tarados de Zola se aproxima, como patologia, de Don Quizote de la Mancha? qual dos criminosos do Naturalismo, todos mais ou menos acordes etiologicamente com os princípios e as observações da escola antropológica, excede Lady Macbeth? qual dos amplexos brutais, dos felistas emparelha, como sentido sexual e como fado, ou lei, um dos minutos de Capuleto, em Romeu e Julieta, ou o beijo irresistível, que, tendo caído sobre o lábio frio de Francesca de Rimini, nos inexcedidos tercetos da Divina comédia, desde então auréola de eterna glória a lembrança dos condenados sublimes?

A França vive no teatro de Molière, estua no mundo de Balzac e não está nos Rougon-Macquart. Por quê? Uma das causas da inferioridade representativa dos personagens de Zola foi sem dúvida a preocupação, no momento taineano, de os explicar cientificamente, colocando o movimento contra os excessos românticos, tão necessário no puro domínio da arte, entre a Química e a Fisiologia Experimental.

Meio, raça e momento, clima, alimentação, fatores hereditários, desvios atávicos, – vício e virtude considerados como o açúcar e o vitríolo, – o espírito decomposto de peça em peça com exibição de nomenclatura, qual se fora um aparelho mecânico, o coração retalhado como se retalham, músculos de carniça, foi a isso que o empirismo letrado arrastou aquele brilhante e generoso escritor.
Quantos sofreram a dissolvente influência dessa crítica mascarada de ciência, porém artificiosa e vã, cujos ensaios lembram em verdade uma série de romances naturalistas sem enredo, de romances abortados!

Que missão lhe coube, a esse grosseiro fatalismo mecanicista, nas letras modernas? A de abafar sob as camadas anônimas da massa as originalidades pessoais, reduzindo à multidão o herói e o gênio, convertidos em instrumentos, e fazendo o individuo desaparecer na mole incerta dos fatos, quando todos os fatos cognoscíveis somados não valem uma idéia, um sentimento, um impulso da vontade!
O século XIX foi um glorificador do homem: das meditações de Comte, ele surgiu santificado na história. Carlyle armou-o de impassibilidade mística para arrostar o destino; na obra de Nietzsche ele desperta como um Hércules tonto, mas com a expressão divina de um Apolo no semblante transtornado. E, das páginas de Taine, como sai o homem? Miserável, triste, acalcanhado pelo materialismo...

Não teve outra filosofia Émile Zola e a sua estética ostenta bem visível a marca de origem... Felizmente, uma contradição livrou a escola naturalista de repúdio total: a piedade, a simpatia pelos humildes, a revolta contra as demasias e as injustiças do regímen burguês, o apelo para a solidariedade humana.
Ao terminar o estudo das grandes criações de Zola, conclui o leitor, – contra Zola, – que o homem não é a bête humaine. Nas torpezas da grande família degenerada há às vezes resplendores, e certos personagens poderiam inspirar de novo a Baudelaire o verso melancolicamente humano em que o poeta aureola o dissoluto adormecido:

Dans la brute assoupie un ange se réveille.
Vede Germinal: sem o princípio humanitário que envolve aquelas dores, os aspectos objetivos da obra não produziriam o efeito de belo-horrível com que nos esmaga o sonho redentor de Zola, não a aparência da mina, geograficamente descrita, economicamente integrada no quadro geral do capitalismo. A mina é um símbolo, como os que há em todas as outras obras do escritor. A própria Nana é um símbolo infeliz, mas enfim um símbolo.

A Zola salvou-o a imaginação poderosa. Apesar de obsesso pela teoria dos documentos, do instantâneo de arte, do pedaço de vida, espostejado, sangrando e ainda palpitante, ele foi um poeta, um sentimental (e por que não insistir?) um sonhador: ressurgiu sob novas formas as visões de Hugo, em cujo profetismo atacara a golpes de sarcasmo a escola anterior.

* * *

Aluísio Azevedo apareceu em hora propícia às imposições artísticas de uma grande personalidade.
Iniciara-se no país uma renovação de pensamento e, fato característico, era a investida contra os românticos.

Na Europa, são as idéias que retraçam a cronologia das escolas: entre nós, a sucessão das escolas coincide com a das gerações, classificáveis de ordinário em turmas acadêmicas.
Estudemos a Aluísio no seu momento, que teve a colaboração de velhos, de novos, de novíssimos...
Não há fase mais interessante na história do Brasil intelectual: efetuou-se então, através da anarquia das opiniões, um belo movimento de ciência, de Filosofia e de arte. O que a esta destacava, em tentativas nem sempre bem sucedidas, era, dentro das correntes de idéias em debate, o cuidado de mentalizar as produções, arrancando-as a velhos moldes de paixão tropical...

A propaganda romântica fora feita sobre motivos emocionais: a escola triunfante na Europa podia vencer e venceu na América mercê do seu sentimentalismo e das suas utopias humanitárias. Despertávamos para a vida livre e recebêramos, combinada com outras, a herança ibérica. Por isso, duas notas assinalam o Romantismo sul-americano: a visão pessimista e o sentimento otimista, o supremo desengano da vida contrastando com todas as ilusões cívicas e doutrinárias da adolescência...

Mas o tempo de Aluísio foi diferente: a arte dava o braço à ciência, à Filosofia, à própria Política... Havia mestres que pregavam Kant, Hegel, Hartmann, Schopenhauer; havia discípulos que desejavam matar a Metafísica; havia a prédica de Darwin, de Comte, de Littré, de Spencer, de Stuart Mill. Em crítica, H. Taine.

Que sairia de tudo aquilo no puro domínio da literatura de ficção? A princípio, em poesia, a orientação cientificista ou savantista, como a classificou o nosso eminente confrade Sílvio Romero, depois, o Parnasianismo; e, em prosa, a estética naturalista. Dous elos prendem umas às outras essas escolas, outrora inimigas: a ânsia de se firmarem contra os românticos em princípios de cultura moderna (era moda em certos círculos escrever Kultur em germânico) e uma irresistível influência dos problemas sociais discutidos no país. Os próprios parnasianos constituíram uma geração ardente, impregnada de abolicionismo e de republicanismo, apesar da frieza e da imobilidade marmórea que lhes distinguiam os poemas.

Dos poetas mais velhos, no fervor da refrega, salvaram-se apenas, às abas do Parnaso, Machado de Assis e Luís Delfino, aquele pelo tom de estilo clássico dos seus metros e este por ter sido aclamado desde logo, nas colunas d’A Semana, um pequeno Victor Hugo nacional. Valentim Magalhães consagra o primeiro; em torno do segundo, em renhida polêmica, explanara Luís Murat a profunda e complexa questão do que deve ser a poesia de hoje.

A plataforma dos Novos condenava as liberdades poéticas (aquém do oceano, elas possuíam um sentido especial étnico, sextiário), exigia opulência nas rimas, variedade nos metros, vogalização do verso, impunha o culto dos léxicons, preconizava a pureza da sintaxe e celebrava a plástica helênica. Prestou estes serviços. Aparentemente, a forma era tudo e, vitoriosa, fez o sátiro penetrar na terra do Currupira e serem as telas gregas reproduzidas entre palmeiras; mas, as tintas eram as mesmas que já haviam enriquecido a palheta romântica, na desfiguração americana dos heróis medievos ou revolucionários da Europa.

Sem dúvida, foi o Parnasianismo que, em verso, dominou essa época: asseguram-lhe a glória os maiores poetas do nosso presente, sem esquecimento daqueles cujo nome, como o de Raimundo Correia, já resplandece na imortalidade. Todavia, aquela geração apaixonada pela métrica de Leconte, de Heredia e de Banville, nascera realmente do humanitarismo romântico, acorde com as preocupações e com os sentimentos da pátria. Quando o mais ativo dos seus membros, Valentim Magalhães, apresentou Victor Hugo fitando Inácio de Loiola, indicou sem querer a verdadeira filiação espiritual da falange que pretendia chefiar e cujo antecessor no Brasil fora Castro Alves, o ridicularizado vate do condor e do jaguar, que não sabia, é certo, fazer alexandrinos, mas soubera idealizar os aspectos e os fatores essenciais da nossa evolução.

A linguagem poética aprimorou-se no culto parnasiano da forma e quadrou ao plano de uma gramática de beleza, nossa, sem árcades, o processo francês, revivendo a Plêiade e decantando o Parnaso com o gosto do século XIX; mas só a expressão poética diferiu da dos românticos. A essência, de inspiração emotiva e concepcional, foi idêntica. Esses e os outros poetas do tempo culminaram no mesmo romantismo, quer prendessem à cinta flexível das morenas da América a faixa simbólica da graça helênica, em cenários helenizados, quer decantassem, com rimas, a lei dos três estados, ou repetissem, arautos mais ou menos eloqüentes, mas todos sinceros, as maravilhas da Idéia Nova...
Prende-nos, porém, à prosa o objetivo desta oração, e, em prosa, consoante vimos, foi a estética naturalista que se delineou no informe daquela transformação psíquica do Brasil velho, sentimental e metafísico.

Colhidos pelo movimento, vários escritores, avessos de índole ao novo feito, limitaram o seu realismo à pesquisa da verdade psicológica.

Quase todos estão vivos e libertos da sugestão passageira. Dos mortos, o maior foi Raul Pompéia, um puro stendhalliano. Todavia, o romancista por excelência, nesse período, parece-nos ter sido Aluísio Azevedo. Fez discípulos e continuadores. Cessara o reinado efêmero das Inás, das Lucíolas e das Carlotas, substituídas pelas Lenitas e pelas Hortênsias. A sânie sucedeu nos tinteiros ao bistre das olheiras de paixão; a literatura tornou-se um anfiteatro de anatomia e os alunos estreavam de avental, para dissecções. Fora-se o sonho: agora, bisturizava-se... Mostraram-se avisados os que assim procederam? Vejamos. O romance brasileiro oscilara entre Alencar, Bernardo Guimarães, Macedo, Franklin Távora e Taunay. Recortada no vivo na crônica local, a novela de Almeida, por mal escrita, não recebera a consagração da crítica erudita (terribilíssima!) e demorava nas camadas anônimas de um leitorado plebeu. Machado de Assis principiava a isolar-se no ceticismo ideal que lhe singulariza as criações.

Em novelística, ao termo daquela época, o que aos novos incumbia era a reforma dos moldes alencarescos.

O autor de Iracema, que foi o romântico mais sincero do Brasil, tentara a nacionalização do nosso romance pelo emprego de cronicons da colônia, de aspectos provincianos e de temas sentimentais na sociedade do seu tempo. Quanto aos primeiros, diremos com justiça que Alencar não foi um simples pintor de índios, e, sim, o épico admirável das duas raças que se chocaram na América, de cujo meio bárbaro é o maior poeta até hoje conhecido. Por que há de reduzir-se à mera reprodução dos aborígenes a obra evocadora do grande escritor? Por que falar de Iracema e esquecer a Martim? Pois Álvaro, como guerreiro, não destaca ao lado de Peri?  Pois Isabel e Ceci não valem mais, como perfis femininos, que os das mulheres indígenas, sombras quase apagadas ao fundo de quadros em cujo primeiro plano aquelas se debuxam em deliciosa silhueta? A ronda dos Aimorés não corresponde a teoria dos Aventureiros? E a D. Antônio de Mariz, que chefe guarani se lhe contrapõe em majestade? Romance de índios é Ubirajara, caso de união exogâmica entre duas tribos; mas, se toda a sua obra fosse assim, não teria a virtude que a assinala, nem despertaria o interesse com que a lemos. Ele descreve no meio selvagem a raça vermelha diante da raça branca, fundidas na nacionalidade que ia nascer. Fixa depois em torno da mulher os primeiros resultados do povoamento e da organização social. D. Flor ao Norte, e Catita, no extremo Sul, são, como as suas irmãs dos outros romances, delicados símbolos da natureza aos poucos vencida pelo heroísmo do homem sob o estímulo da beleza. Alencar não passou de um poeta e não era a poesia deveras notável das suas criações que aos novos cumpria alvejar.

Nos verdes mares bravios palpita num período a alma da natureza americana e a nossa vibração ancestral de saudade, casada à atração do ermo. Depois, como figurista de lendas, ele merecia ser continuado. Falsas Iracema e Ceci? Mas as heroínas do amor, em poemas de caráter primitivo, vivem limitadas a situações culminantes do instinto e do coração. E não só nesses: um segundo de pose, perpetuado com gênio em mármore ou painel, excederá sempre como vida a biografia intima dos modelos... Iracema e Ceci pertencem a uma classe chateaubrianesca de criaturas românticas do Novo Mundo; mas, apesar disso, a significação humana de ambas aumentará com o tempo. A crítica há de olvidar no futuro aquilo em que elas contrariam a nossa realidade e, então, a sua beleza brilhará frágil e poderosa entre forças indomadas nas primevas solidões da América. E se, no decurso das idades, outros artistas as alterassem esteticamente, em reconstruções do passado, aproveitando-as para crônica, novela ou verso, mais belas ficariam; porque, não o esqueçamos, é feito de sonho o tecido das legendas...

O erro de Alencar foi, a princípio, a limitação dos assuntos, e, a seguir, quando os ampliou, a desfiguração romanesca dos tipos e dos costumes contemporâneos.
Erro sociológico e estético. O passado nacional na existência do interior bravio, embate formidável de massas humanas heróicas com obstáculos de toda ordem, num habitat virgem, exige proscênios artísticos mais compreensivos em étnica e socialmente que os do glorioso romancista. Na formação do Brasil-povo, há elementos que lhe escaparam à retina.

Imaginada sobre a vida moderna, e versando teses ingênuas, de uma psicologia amorosa convencional, a novela de Alencar e dos seus discípulos rematou numa série de transuntos deformes das grandes literaturas românticas.

Ao despontar Aluísio Azevedo, semelhante gênero estava em decadência, pelos excessos de fantasia e de sentimentalidade nos enredos urbanos e por um incompleto e vacilante critério nacionalista no regionalismo que nas crônicas sertanejas procurava sobretudo tipos irregulares ou, por sugestão romântica, os anormalizava em traços exteriores de drama rústico...
Mas, se o Romantismo repetiu em miniaturas tropicais vultos e proscênios do europeu, também os nossos naturalistas importaram dos franceses psicologia e descrições.
Quando, em 1880, editou O mulato, romance de tese, correspondendo simultaneamente ao espírito de reforma realista, que já assaltara a língua portuguesa nos inquéritos irônicos do Eça, e ao problema absorvente do sangue negro, a gotear sobre a sociedade brasileira por todas as feridas e úlceras da escravidão, o escritor maranhense, suscitou esperanças de se tornar com o tempo o grande romancista da nossa gente.

Depois, no Rio, para onde o arrastou o êxito excepcional do comovente e formoso volume, entre publicações de vária marca, poesias, romances, contos, dramas, folhetins, resolveu das à sua obra um caráter geral com o cunho de livros seriados, cujos personagens se ligassem à vida nacional, espelhando-a.

Esse trabalho, que teria por titulo “Brasileiros antigos e modernos”, constava de cinco partes, todas amoldadas à Casa de pensão, O cortiço, A família brasileira, O Felizardo, A Loureira e a Bola Preta.
O plano, inseriu-o A Semana, em cujas colunas o divulgou o próprio autor:

“A ação principia no tempo da Independência e acabará pelos meados de 1886 ou talvez 1887 (Aluísio contava que estes dous anos ainda não vividos lhe forneceriam uma cena política de que ele precisava para fecho do seu trabalho). Tenciona pintar cinco épocas distintas, durante as quais o Brasil se vai transformando até chegar, ou a um completo desmoronamento político e social, ou a uma completa regeneração de costumes, imposta pela revolução. O primeiro romance, O cortiço, faz nos ver um colono analfabeto, que de Portugal vem com a mulher trabalhar no Brasil, trazendo consigo uma filhinha de dois anos. Esta criança vem a ser a menina do cortiço, um dos tipos mais acentuados da obra, o qual será ligado imediatamente a um tipo novo, o tipo do vendeiro amancebado com a preta. O colono deixa a mulher por uma mulatinha, e deste novo enlace surgem o Felizardo e a Loureira: participa deste grupo o tipo do capadócio, o pai-avô do capoeira, que mais tarde é chefe de malta e força ativa nas eleições. Ligado a este chefe de malta está um tipo que contrasta com ele: é o antigo Conselheiro de Estado, político formado durante a menoridade do Sr. D. Pedro II e graduado pelos seus serviços à causa da revolução mineira. Do Conselheiro nasce a família brasileira, composta de quatro figuras, a saber: o chefe, Conselheiro, de cinqüenta e tantos anos, conservador e lírico; a esposa deste, senhora de quarenta, muito apaixonada pela História dos Girondinos de Lamartine, sonhando reformas e lamentando não ser homem para desenvolver o que ela julga possuir de ambição política no seu espírito; a filha, a moça de vinte anos, prática e interesseira, vendo sempre as cousas pelo prisma das comodidades e das conveniências sociais; e o filho, rapaz de dezesseis anos, presumido filósofo, e muito convencido de que está senhor de toda a ciência de Augusto Comte.
É sobre esta família que tem de agir o Felizardo e a Loureira: é nesta família que a Loureira vai buscar o amante, o filósofo de dezesseis anos, a quem não valera toda a teoria científica de Comte e Spencer e que dará um dos bilontras da Bola Preta; enquanto que o Felizardo, conseguindo casar com a filha do Conselheiro e conseguindo, uma vez rico, fazer careira política, vai influenciar nos destinos do Brasil e comprometer a posição do monarca, como se verá no último livro...”

Cortemos a citação: semelhante família seria, afinal, nos trópicos, um ramo pitoresco da árvore genealógica dos Rougon-Macquart...
O documento é preciosíssimo, porque ilumina sem artifício, com a verdade de uma tira ainda úmida de tinta, arrancada à pasta intima do artista, os propósitos, os processos, as idéias, a visão estética de Aluísio Azevedo e da sua roda.

Na execução, o escritor emendou, desenvolveu ou restringiu o projeto. A Filha do Conselheiro passou a chamar-se O homem, Pombinha substituiu a menina do cortiço, no desempenho de um papel modificado, o político do Império, revolucionário em Minas, conservador nos últimos dias da Monarquia, – e lírico de Menoridade à Propaganda – limitou-se a alterar de passagem no Coruja a figura ativa, do aristocrata colonial, ao lado da loureira, convertida numa histérica, o presumido filósofo comtista tornou-se um manso rapaz, formado em Medicina, e a teoria dos capadócios e capoeiras resumiu-se, sem complicações políticas, num admirável estudo de costumes. Mas a partir daquele esboço, e não citando os livros em que, por desfastio, o escritor se colocou entre Walter Scott e Ponson, todos os romances de Aluísio, com exceção do derradeiro, o Livro de uma sogra, tem a chancela do zolismo. O que, sob a influência do mestre, ele pretendeu analisar não foi a formação, foi a dissolução da família brasileira, limitada a certos usos, tipos e aspectos da antiga Corte. Assim, após a deformação otimista ou sentimental da sociedade pátria, pelos românticos, tivemos a deformação otimista ou sentimental da sociedade pátria, pelos românticos, tivemos a deformação pessimista, carnal, nos livros de Aluísio e dos que o limitaram. 

Nas peças que correspondem ao referido plano, há apenas a preocupação da cor local, o apanhado minucioso de hábitos individuais pintados à vista, e de vícios, enfermidades e crimes expostos com espírito clínico ou judicativo. Em todas, patenteia o autor poderoso talento, prejudicado não tanto pela técnica realista, quanto pelo espírito da escola, – inclinada às brutalidades do instinto e ao predomínio do mal. São relatórios dialogados, em que numerosos lances de soberbo relevo artístico revezam com outros, iguais a peças de processo e a tabuletas hospitalares. Imaginemos um momento que João Coqueiro, na Casa de pensão, não houvesse assassinado a Amâncio após a absolvição deste pelo júri; sem o desfecho dramático, imprevisto, que é a cena menos naturalista do volume, pois, em suma, desmente o passado daquele explorador da irmã e da mulher, o livro não merecia o nome de romance, seria uma simples crônica bem animada e escrita com esmero. No Homem, a situação preambular, um amor entre irmãos ignorantes de sua germanidade, tê-la-ia transformado Aluísio, mercê do Naturalismo, em extensa comunicação de manicômio sem a beleza dos sonhos de Magdá.

Apesar disso, quantos diagnósticos e receitas! O cortiço é o mais perfeito dos seus romances. Vê-se a habilidade com que o artista aplicou os seus princípios estéticos. Demais, uma luz forte de simpatia e de justiça banha os quadros, os protagonistas, os comparsas, a multidão de deserdados que ali se agitam. Aluísio sofreu, como homem e como brasileiro, ao medir a extensão da geena pululante, de onde, amoedando sofrimentos alheios, João Romão ascendeu à fortuna e as comendas. Que sátira cruel, a Bertoleza! O cortiço resume as melhores qualidades literárias do escritor: é completa e bem estilizada a pintura da vida, os caracteres surgem inteiriços, os pormenores principais estão agrupados harmonicamente. Por infelicidade, nota-se a espaços demasia no rebaixamento do homem do povo, imerso numa lama inútil, quando não prejudicial à observação dos efeitos gerais. Mas que poder descritivo! A luta de Firmino com Jerônimo agita a imaginação do leitor; baila e canta na página o chorado em que a Rita Baiana fascina o português com a sua graça serpentina; e que a originalidade e leveza no traço ardente desse perfil! Entretanto, a grande criação de Aluísio Azevedo é outra, é uma figura sombria crispada comicamente a sofrimentos de tragédia interior, é um ser humilde, feio e miserável, quase Alceste, meio Quasímodo, triste como a dor, grande como um protesto atirado ao destino, é o Coruja.

Esta criatura de arte, que roça pelo símbolo, não tem rival no romance brasileiro. A verdade pessoal junta a poesia amarga de um combate sem tréguas com a sorte injusta. Ergue-se na existência como a imagem do dever e é o dever que o esmaga; a sua única ventura é a bondade e chaga a duvidar dela, a odiá-la; o amor é o seu sonho de todas as horas e só inspira aversão; possui todas as virtudes e são as próprias virtudes que o atraiçoam, que o condenam à derrota, que o matam. Ah! que pena sentimos pensando no que poderia ter sido O Coruja, se Aluísio Azevedo houvesse compreendido o valor excepcional, na sua obra, dessa criação! É o seu volume mais descuidado, talvez o único de que desdenhara. Dá-nos a impressão de ter sido composto às pressas, sobre o joelho. Registram-se casos assim na vida literária: – quem soube penetrar em tantas consciências, não se entendeu a si mesmo...
Do rumo que o seu talento poderia ter seguido, sem as lições de Zola, deparamos seguro indicio nas primeiras produções e nos con-

Naquelas, há em gérmen um idealista. Aluísio apareceu no Maranhão com o romance Uma lágrima de mulher, estréia romanesca ao sabor francês, lembrando a poesia da Graziela, de Lamartine, e de Paulo e Virgínia, de Saint-Pierre: rochedos de Lípari, casebre de pescadores, figurilhas ingênuas em marinhas soalheiras. A esses quadros, tão repassados de romantismo, nem faltou, para fidelidade de caracterização, “Castor”, o cão amigo, deitado aos pés de Miguel, um artista rústico, enquanto o rapaz lia contos sentimentais ou executava musicas da sua imaginação, como Teu nome... A paisagem não é da América, nem das costas da Itália, nem da Ilha de França; pertence à escola romântica. E os personagens? Três únicas figuras em primeiro plano: um velho áspero, que cisma, uma devota, que reza, uma filha que suspira; e lá ao fundo, meio escondido nas névoas do poente, um vulto a esbater-se nas tintas do horizonte, um homem chorando, abraçado a uma rabeca... E o amor que, mais tarde, sob as inspirações de Zola, havia de aparecer apenas como instinto, e, menos que isso às vezes, – como um recurso de luta feroz na vida – o amor era culto, adoração, e recordava, nas imagens do artista incipiente, aquelas plantas orientais que tanto mais perfume exalam quanto mais grosseira for a mão que as triture; amor que se compraz em representar-se na morte, para, inconsolável e invisível, ir à noite deitar-se à soleira da casinha branca da amada...

Neste romance, que tem todos os defeitos do gênero e da juventude, a crítica seria capaz de mostrar alguns atributos que, infelizmente, não foram cultivados na segunda fase. Eles transparecem nos contos. Um livro de pequenas composições encerra sempre flagrantes de alma, fantasias, reminiscências, juízos sinceros sobre o homem e a vida. Quem escreve contos se confessa... Nem sempre o faz o romancista, ou, se o faz, quase sempre foge às análises diretas da personalidade. No romance, intenções gerais, superiores à página, dominam o trabalho, e o apuro no desenvolvimento das idéias apaga as notas particulares, os apontamentos, os fins.

Aluísio não é o único escritor cujo temperamento se denuncia mais claramente no conto que no romance. Dentro do próprio naturalismo, cuja estética exagerou a impassibilidade dos autores em relação aos entrechos, há exemplos disso. Há, entre outros, o de Eça de Queirós, em língua portuguesa.

Na crônica, no folhetim, na simples novela de improviso romanesco, o grande e querido Eça é um amigo a conversar conosco, a dizer-nos em frases finas e tocantes, com verdade e sentimento, o que pensava do amor, da glória, da beleza, da bondade... Há em França o de Flaubert, que só era absolutamente perfeito quando se resumia, o de Maupassant, que se retratava de corpo inteiro em dous ou três períodos de uma anedota original, o de Daudet, cujos romances parecem contos grandes, o de Anatole, que tão sutil e adoravelmente sabe fragmentar, na insidia de meia dúzia de linhas, as maiores paixões humanas. Zola, esse ignorou sempre a arte de fazer contos... Inclinado às epopéias, desprezava as historietas... Aluísio dedicou-se caprichosamente ao gênero. Era um conteur nato. “Último Lance” afigura-se-nos um primor narrativo. Fluência, simplicidade, cálculo de efeitos, idéia final, imprevista, mas impressionante de acordo com as anteriores, há tudo isso no conto. Outro escritor, menos hábil, talvez tivesse levado o jogador a perder a última parada. Aluísio matou-o. Tê-lo-ia feito Maupassant. Nas coleções publicadas, à melancolia, – uma branda melancolia dissimulada quase sempre um tom levemente faceto, – sucede uma jovialidade de forte, que às vezes se empana em repente amargo. “A serpente”, que, ampliada, nos deu o Livro de uma sogra, “O macaco azul”, O impenitente”, esses e outros  desenham o Aluísio irônico: “Pelo caminho”, “Vícios”, “Inveja”, revelam o Aloísio comovido, – um Aluísio bem diferente nos dous casos do observador cruel dos romances realistas.

É tempo de resumir, senhores: Aluísio não reuniu num escol de entidades sintéticas os aspectos físicos e morais do nosso povo. Fato que merece registro: o personagem é verdadeiro e não o é a sociedade a que pertence. Estes homens e estas mulheres andam, vestem, falam, agem, à moda do tempo, como espírito, não está neles.

O meio em que se agitam é monótono, limitado, quer enverguem o rodaque de linho branco de jantarinhos domingueiros, no remanso burguês do arrabalde, onde inda impera a cadeira de balanço das nossas varandas de fazenda, quer afrontem as luzes dos salões elegantes ou enxameiem boêmios nos círculos de vida irregular. Salva-o o estilo, amável e sóbrio, e a forma, nítida, espontânea numa palavra artística, embora quando em quando lhe faleça lavor. Há críticos entre nós (atenienses fora da Ática), que a cada instante aludem à simplicidade. Um sorriso responderá dessa banda à nossa observação... Mas, também deixamos aqui algumas reticências... A simplicidade não é assim tão simples... O entalho na madeira, a rendilha no granito e o estriamento no mármore são requintes de forma.
Será absurda a catedral gótica pelo misticismo aparentemente inextricável das linhas, dos adornos e das massas? Vede bem, ó tropicais helenos, que não desmerece a coluna quando a riscam em caneluras e a enfolham de acanto! Nem o crivo miudinho da traça a devorar livros e livros alheios, é perfeitamente simétrico...

Aluísio, quando queria, trabalhava a buril. Trabalhou assim as suas melhores passagens. Quereis páginas bem estilizadas de sofrimento? Lede as que pintam a morte do português tísico do n.o 7, na Casa de pensão, a evocar durante a agonia a aldeia longínqua da infância. Preferis um trecho americano, torpente como a nossa natureza? Abri o Cortiço: tendes ali a luz do meio-dia, o calor vermelho das sestas da fazenda, o aroma quente dos trevos e das baunilhas, a palmeira virginal e esquiva, o veneno e o açúcar gostoso, o sapoti mais doce que o mel, a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo, a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida... isso e mais que isso na esveltez Bruna, no serpentear gracioso, na irresistível denguice da Baiana.

Sim, Aluísio era um artista. Vitimou-o o excesso de produção, o tempo, o meio. O seu caso é mais ou menos o de todos nós. Vivemos na América e respiramos a atmosfera de uma época infensa à arte. Entretanto, quantos sonhos pairavam sobre aquela valente plêiade de artistas! Cedamos ao encanto de exalçar à distância de alguns lustros a sensibilidade congênita que tentavam dissimular. Tocante contradição: Aluísio e seus companheiros afetavam o culto da realidade e eram finamente espirituais; sabiam de cor Une Charogne, cortejavam a Bête Humaine, em caixa alta, reduziam tudo à Força e à Matéria e liam trêmulos de comoção Michelet, Quinet, Saint-Victor, Victor Hugo, e vibravam na cruzada artístico-boêmia de Patrocínio e devoravam depois os manifestos republicanos, traçados entre o busto de Washington e a figura simbólica, de barrete frígio, da Liberdade (também com maiúscula)... A Realidade! Essa, conhecemo-la nós, das gerações seguintes, cuja adolescência alvoreceu não entre utopias de doutrinas de fora, mas nas dores da ação, quando, dobradas as páginas dos poetas, dos publicistas, dos filósofos e dos sociólogos estranhos, vimos a pátria despojada de ficções, sem atavios imaginativos, com a poesia das palmeiras e os sabias substituída por impressões de deserto a vencer e com o prestígio das lendas arranjadas romanticamente, desfeito aos impulsos tumultuários de um povo que afinal desperta e compreende... Mas, como aqueles irmãos mais velhos (iludidos sobre si mesmos), saberemos manter conscientemente o idealismo da raça. Seremos idealistas a frio, se é possível...

Notai, senhores, que, para os artistas, a suprema desventura é não poderem ter gênio em meios que não possuem ideal. Nada impede a composição de obras-primas, se o espírito se expande ao ar livre, luminoso e puro, de um grande tempo! Miséria qual a de Camões, com a poesia inspiradora da saudade aliada no exílio ao orgulho de um passado heróico e à glória dos avoengos, com a beleza magnífica da Renascença a atraí-lo, num desfile interminável de cenas e de figuras grandiosas, com a sedução ainda virgem de ondas desconhecidas, esquivando-se na bruma dos horizontes à caricia do olhar e à audácia das quilhas, com os esplendores do Oriente, desdobrados indefinidamente na majestade de mitos milionários, miséria assim é opulência.

Tristeza, ainda nos limites da nossa língua, é a de Camilo Castelo Branco, o perdulário cético de períodos de ouro, a dissipar em novelas destinadas a classes mercantis, ou mais ou menos mercantilizadas, o talento que imaginou o Amor de perdição, e que seria capaz de criar de novo o Tio Goriot. Desgraça, a nossa. O belo reside na consciência, a obra de arte – fruto de amor – só a fazemos quando o amor nos tempestua no peito, nos empalidece a fronte, nos enregela a mão, ora trêmula, ora crispada sobre o papel, e, apesar disso, somos obrigados a trabalhar de janela aberta, para a rua, diante das massas curiosas, irônicas, apressadas. Pedem-nos uma literatura de quarto de hora e sobre a página efêmera, composta às pressas, para lazeres de negócio ou intervalos fúteis de prazer mundano, atiram em paralelo as grandes obras em que o sentimento reveste formas eternas.                  

E dizem:
Não queremos as vossas idéias, nem a vossa fantasia, nem a vossa graça, nem o vosso pranto; sede impessoais, breves, simples; adivinhai os nossos pendores secretos, o que diverte em ironia, o que impressiona sem abalo, o que não  convida a pensar; fazei da nossa vida uma religião...

Pobre Aluísio! Evoquemos fraternalmente as lutas que travou, os triunfos que obteve, os desenganos que o feriram. Jovem, soube distinguir a estrada florida, plana e tranqüila da áspera e tumultuosa, cujas pedras guardam vestígios sangrentos e cujos fontes tem um ressaibo de lágrimas. Foi a esta que escolheu, fascinado pelas miragens do seu ermo traiçoeiro, pelo encanto do seu mistério azul e pela fugidia beleza, quase sempre intangível, da glória. Ah! Como resistir à doce e cruel fascinação? Que outra existe no mundo mais poderosa? Não o amor – a arte, sim – “é mais forte que a morte”, quando a arte se torna a condição plástica do amor...

Neste dom-juanismo ideal, que se não restringe às sensações imediatas, mas, através das formas imperfeitas, aspira à perfeição da Forma, não há sociedade, nem remorso, nem velhice. A medida que os anos passam, embora cada hora valha uma decepção, aumenta o atrativo das quimeras, e o culto estético, ao contrário do que sucede nos afetos vulgares, é a própria mesquinhez da realidade conhecida e praticada, que o afervora. Certos artistas, com o tempo, sabem calar-se. Calou-se Aluísio Azevedo. Tinha o direito de fazê-lo. Ainda assim, que vos não engane aquele silêncio no degredo... Como os outros intelectuais brasileiros, ele estava condenado, após a mocidade, ao deserto e à sombra; mas, na solidão interior do seu fim de vida, conheceu, sem dúvida, o enlevo de supremas visões de arte. Quem sabe se não adormeceu para sempre beijado na fronte e nos lábios pela mais linda de todas!...