SENHOR Embaixador,
Para esta solenidade, nenhuma voz é mais autorizada, nenhuma seria mais precisa, mais eloqüente e mais afetuosa do que a de V. Ex.a.
O discurso, tão belo na forma, quanto conceituoso no fundo, que acabamos de ouvir, basta para justificar a minha afirmativa, se tantos outros títulos não assegurassem a V. Ex.a o direito que muito nos honra, ao governo e à Academia, de ser o intérprete da França e do seu governo nesta hora de mais uma significativa e duradoura prova da amizade do seu país para com o nosso.
Não tinha, pois, V. Ex.a que esperar a nossa benevolência – que dela não precisa, nem que nos trazer – por ouvir o seu formoso discurso, – a sua gratidão, que seria a inversão dos deveres morais dos beneficiados – que somos nós.
Benevolência peço eu, Sr. Embaixador, para mim, que, como intérprete do Governo e da Academia, tenho de dizer-lhe o nosso sincero agradecimento – sem o mesmo aticismo, sem o mesmo esmero, sem o sel gaulois do seu discurso, que acaba de encantar ouvidos lhanos, afeitos à beleza da doce língua de França.
Gratidão, nós, o Governo e a Academia, é que a devemos, Sr. Embaixador, a V. Ex.a, ao seu governo e à sua gloriosa pátria, pela dádiva desta esplêndida casa que recorda, – diante da incomparável baía de Guanabara, aberta a todos os povos, maravilha do mundo, com que Deus nos quis fazer orgulhosos e ciosos de possuí-la, – que recorda, repito, num dos seus recantos mais sugestivos, pela história e pela tradição, essa Versalhes, testemunha da grandeza imperecível da França, nunca esmaecida nas horas de provação, de 1870, ou de ontem, grandeza que irradiou do século de Luís XIV até hoje, em triunfos morais, políticos e científicos, ininterruptamente, para honra e prestígio da raça latina.
Desde a sua infância sentiu o Brasil o influxo desse prestígio. Não esqueceu ele as tentativas da França Antártica, e, ainda ali, em frente deste edifício, está a fortaleza de Villegaignon, perpetuando, no nome, a audácia e a coragem francesa, embora o nosso indômito espírito de independência já então começasse a germinar, no subconsciente dos nossos antepassados, para repelir o que os historiadores denominaram a “invasão francesa”, afirmando o desejo de constituirmos uma nação latina, soberana e livre, como chegamos a fazê-lo em 1822.
Mas, Sr. Embaixador, o que não conseguiram Villegaignon, Duclerc, Duguay-Trouin, com a força dos seus canhões, conseguiram, para conquistar-nos, pelo espírito, pelo coração, o espírito e o coração dos franceses. O que não obtiveram generais, alcançaram sábios e filósofos, poetas e romancistas, médicos e juristas, músicos, pintores e arquitetos – cuja ação foi, tem sido, e é de decisiva influência na formação da nossa cultura e do nosso progresso, valendo por uma gloriosa e duradoura conquista, influência tão merecidamente estudada e demonstrada pelo jovem escritor Sr. Mário de Lima Barbosa, na sua monografia sobre franceses na história do Brasil.
Na ação dos enciclopedistas e no grande movimento social e político de 1789 estão as raízes dos acontecimentos históricos através dos quais chegamos à República em 1889, passando, em 1822, pela independência, cujo centenário esta Casa comemora, como um coroamento da profícua e nobre influência do gênio francês em minha pátria.
V. Ex.a recordou com felicidade esse influxo na literatura, embora reconhecendo, com justiça, a espontaneidade e a originalidade da literatura brasileira e fazendo, em rápida e afetuosa apreciação, a aproximação de Porto-Alegre e de Musset, de Bilac e de Vigny – a que eu poderia, embora me sujeitando à crítica, acrescentar a do cepticismo otimista de Machado de Assis e do otimismo cético de Anatole France.
De fato, Sr. Embaixador, “l’esprit brésilien ne renonce pas au contact avec la France, puisque c’est en Sorbonne qu’il nous fait part de son émancipation”, porque emancipação não é antagonismo, nem separação, mas paralelismo na cultura, uma interdependência de pensamentos e uma permuta de idéias – que desejamos manter e desenvolver. É por isso que nos é grata a notícia de estarem em “sur le chantier” as traduções de várias obras literárias brasileiras.
Animado do mesmo intuito acabo de aprovar as instruções para o regular e periódico funcionamento do Instituto Franco-Brasileiro de Alta Cultura, cujos cursos foram tão brilhantes e proficuamente iniciados, este ano, entre nós, sob o alto patrocínio da nossa Universidade e do governo francês.
O Petit Trianon carioca há de ser também um centro desse nobre intercâmbio, mais profícuo para a amizade dos povos, porque desinteressado e sem possíveis antagonismos, do que o intercâmbio econômico.
Recebendo-o, a Academia saberá, conforme o voto de V. Ex.a, conservá-lo “comme un temple où se communient les Pensées et les Cœurs de nos deux Nations”.
Quis o destino, divindade tantas vezes propícia ao Brasil, que o gesto de fraternidade espiritual da França, com a dádiva deste palácio, se efetivasse no momento em que, por um acordo honroso e patriótico, foi posto termo à luta que convulsionava o Estado do Rio Grande do Sul, motivo de júbilo para todos os brasileiros e para esta Academia, que pôde celebrar a sua solene instalação nesta casa, sem as tristezas de uma luta entre irmãos, mas com as alegrias da paz estabelecida no seio da família brasileira.
É esta, pois, para nós, intelectuais, uma data duplamente memorável, e estou certo, Sr. Embaixador, que, amigo do Brasil, aplaudirá V. Ex.a, conosco, a feliz coincidência.
Sr. Embaixador.
O Governo agradece a gentil deliberação do Governo francês de doar à Academia Brasileira esta casa, em que ela continuará a prestar à cultura nacional os serviços que determinaram a sua fundação e que muito merecem dos poderes públicos.
A Academia, por sua vez, exprime o seu reconhecimento à generosa França, cuja grandeza e felicidade ela deseja tanto como a grande felicidade do Brasil, e cujo gênio terá aqui um culto permanente, porque, mesmo na relatividade das cousas humanas, essa permanência existe na alta e consoladora fórmula com que o imortal Renan, filosofando sobre o esquecimento e prevendo o possível desaparecimento da sua Bretanha, escreveu: “Quand la Bretagne ne sera plus, la France sera; et quand la France ne sera plus, l’humanité sera encore, et eternellement l’on dira: Autrefois, il y eut un noble pays, sympathique à toutes les belles choses, dont la destinée fut de souffrir pour l’humanité et de combattre pour elle... Et quand l’humanité ne sera plus, Dieu sera, et l’humanité aura contribué à le faire, et dans son vaste sein se retrouvera toute vie, et alors il sera vrai à la lettre que pas un verre d’eau, pas une parole que aura servi l’œuvre du progrès ne sera perdu.”
É nesse sentido que compreendo a nossa imortalidade acadêmica e com ela a imortalidade do nosso culto pela França e pelo seu gênio.
Pelo Governo, Sr. Embaixador, e pela Academia, mais uma vez, obrigado.