O Brasil não está só no título de alguns filmes de Carlos Diegues, como “Bye bye, Brasil” (1980), “Deus é brasileiro” (2003) e o inédito “Deus ainda é brasileiro” (2025). O país é personagem fundamental de sua obra desde o início da carreira, marcado pelo vínculo com o movimento engajado do Cinema Novo por meio do emblemático “Cinco vezes favela” (1962), realização do Centro Popular de Cultura da União dos Estudantes (CPC da UNE) em formato de episódios, cada um conduzido por um diretor diferente – entre eles, Diegues, à frente de “Escola de samba, alegria de viver”.
Ao longo do tempo, o cineasta mergulhou na história brasileira dos séculos XVII e XVIII para abordar a via-crúcis do negro escravizado, temática que atravessou parte dos seus trabalhos, como “Ganga Zumba” (1963), “Quilombo” (1984) e “Xica da Silva” (1976), este último também lembrado pela impactante interpretação de Zezé Motta. A atriz, inclusive, foi presença constante nos filmes de Diegues. Outros atores negros foram valorizados, valendo mencionar Lea Garcia, Adbias do Nascimento, Grande Otelo, Milton Gonçalves, Antonio Pitanga, Antonio Pompeu e Toni Tornado.
Diegues cobriu décadas da vida do país no século XX em “Os herdeiros” (1969) e “Joanna Francesa” (1973) – no caso desse segundo, a protagonista, interpretada por Jeanne Moreau, é transportada para o sertão de Alagoas. De maneira ficcional, mas com bastante precisão, registrou, na passagem dos anos 1970 para os 1980, um importante momento de transição do Brasil: o da substituição do entretenimento artesanal, popular, pela televisão. Essa questão despontou com força no excelente “Bye bye Brasil”, em que mostrou as dificuldades enfrentadas pelos integrantes da Caravana Rolidei na travessia pelo interior do país.
De forma mais localizada, Diegues destacou o Brasil periférico, mas dentro da cidade grande, no ótimo “Chuvas de verão” (1978), filme em que o subúrbio do Rio de Janeiro se impõe como alma, e não apenas como ambientação. Nesse trabalho, Diegues trouxe à tona o delicado tópico do desejo na terceira idade através dos personagens interpretados, de modo tocante, por Miriam Pires e Jofre Soares. E o subúrbio voltou a aparecer pontualmente em “Um trem para as estrelas” (1987).
Diegues homenageou artistas brasileiros, em especial do ramo da música, em diversos filmes. Assinou “Quando o Carnaval chegar” (1972), com Nara Leão, Maria Bethânia e Chico Buarque na tela. Convidou Rita Lee para um dos papéis no divertido “Dias melhores virão” (1989). Investiu em “Veja esta canção” (1994), filme em episódios, cada um inspirado numa música de Caetano Veloso, Chico Buarque, Gilberto Gil e Jorge Benjor. Abrasileirou o mito de Orfeu, com Toni Garrido no papel-título.
Houve ainda mais. Norteado por poema de Jorge de Lima e pelas canções de Chico Buarque e Edu Lobo, dirigiu “O grande circo místico” (2018). E adaptou o livro de Jorge Amado, “Tieta do Agreste” (1996), em filme celebrado pela atuação de Marília Pêra. Como se pode perceber, Carlos Diegues deu vazão, em sua consistente trajetória profissional, a um cinema repleto de brasilidade.
Matéria na íntegra: https://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2025/02/15/caca-diegues-um-cinema-protagonizado-pelo-brasil.ghtml
19/02/2025