Escolhida pela Unesco como Capital Mundial do Livro em 2025 — título que ostentará por um ano —, o Rio é fonte de inspiração na literatura e já foi cenário e protagonista de diversas obras que vão de Machado de Assis a autores contemporâneos, muitos oriundos das periferias. Para discutir a contribuição dos livros e da leitura para a cidade e seus moradores, bem como o seu potencial transformador, o seminário Caminhos do Rio, em sua terceira edição, reuniu ontem autoridades, escritores e especialistas no auditório da Editora Globo.
O secretário municipal de Cultura, Lucas Padilha, que participou do painel “A economia do livro: redes, bibliodiversidade e acesso na Capital Mundial da Leitura”, disse que os escritores que projetaram as suas obras a partir do Rio foram fundamentais para a formação da identidade nacional.
— Ostentar esse título (Capital Mundial do Livro) é uma homenagem a Lima Barreto, a Machado de Assis, a João do Rio, a Conceição Evaristo, a Clarice Lispector, a Hilda Hilst, a Ferreira Gullar e a tantos nomes que fizeram, a partir do Rio de Janeiro, sua literatura e que criaram a identidade nacional — afirmou.
Inspiração no cotidiano
Segundo o secretário, o Rio se tornou Capital Mundial do Livro — a primeira da América Latina e dos países de língua portuguesa, depois de outras 23 cidades do mundo todo — muito por conta da sociedade civil. Por isso, também devem ser celebrados a Feira Literária das Periferias (Flup), a Bienal do Livro (aberta na sexta-feira e que prossegue até o próximo domingo), o Real Gabinete Português de Leitura, a Biblioteca Nacional, as bibliotecas comunitárias e as universitárias. Ele disse, ainda, que as escolhas dos enredos das escolas de samba são “o maior festival literário da cidade”:
— Imagina mais de 50 escolas, ao redor de uma cidade toda, que passam o ano disputando e cultivando textos que são baseados em sinopses que vêm de bibliografias, e essa disputa tem uma apoteose literária numa fantasia de uma hora, que não acaba, mas vira um patrimônio imaterial. Uma cidade que se imagina dessa forma não é uma qualquer.
O Caminhos do Rio é iniciativa dos jornais O GLOBO e Extra, com patrocínio da prefeitura do Rio de Janeiro e da Secretaria de Cultura. O evento, mediado pelo jornalista Rafael Galdo, editor da Editoria Rio, do GLOBO, foi aberto com o painel “Rio literário: território, memória e potência criativa”. Entre os debatedores estavam os escritores Eliana Alves Cruz, Marcelo Moutinho e Conceição Evaristo, que contaram como uma cidade complexa, cheia de desafios, amores e beleza atravessa e influencia suas obras.
— Sou carioca e minha família é toda baiana. Mas eu faço parte de uma geração que já nasceu aqui e acho que sou muito carioca. Moro na Zona Norte desde sempre, em Vila Isabel, e isso atravessa o que escrevo — disse Eliana Alves Cruz, a autora de livros, como “Crime do Cais do Valongo”, que têm a cidade e seu passado histórico como panos de fundo.
Também da Zona Norte, só que de Madureira, Marcelo Moutinho afirmou que o Rio é o grande personagem do seu trabalho, seja no conto, na crônica ou na biografia. Mas nem sempre foi assim.
— Isso nasceu quando decidi dar uma cor local ao meu trabalho, que antes não citava nome de ruas e de bairros — afirmou o autor de “Estrela de Madureira: a trajetória da vedete Zaquia Jorge”, que defende a importância do subúrbio e das periferias se verem retratadas na literatura.
Para a escritora Conceição Evaristo, uma mineira que adotou o Rio como sua cidade do coração, a dinâmica da vida carioca influencia sua obra. A inspiração, segundo ela, tanto pode vir do menino que vende amendoim entre as mesas do bar Amarelinho (na Cinelândia) como de um verso de samba.
— O mineiro tem uma coisa contida, enquanto o carioca é mais expansividade. Me acostumar a essa dinâmica, ser uma espécie de ostra com medo de sair e de se mostrar, além dos muitos locais onde trabalhei e morei, isso tudo me dá matéria para a escrita. Tem vários contos meus que têm como inspiração essa dinâmica de vida do Rio — contou a autora de livros como “Ponciá Vicêncio” e “Becos da memória”.
O primeiro painel contou ainda com as participações de Beatriz Resende, professora de literatura na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e de Julio Ludemir, criador da Festa Literária das Periferias (Flup).
No segundo painel, o jornalista Merval Pereira, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), falou sobre o pioneirismo da instituição em determinados movimentos culturais, lembrando da ação das escritoras Ana Maria Machado, como uma das criadoras da Flup, e Heloísa Teixeira (que morreu em março), ambas imortais da ABL.
30 mil autores por ano
Escritora e crítica literária, Heloísa abriu as portas da academia para a Universidade das Quebradas, projeto em parceria com a UFRJ e o Instituto Odeon, que contou com um curso de formação de escritores da periferia, tendo como tema “Machado Quebradeiro”, sobre o autor de “Dom Casmurro.
— A academia sempre teve essa intenção (de ser inclusiva). É certo que nos últimos anos, com a tecnologia, a gente está mais visível. Estamos até no Tik Tok. A academia está fazendo o que sempre fez, tomando a frente dos movimentos culturais e se tornando mais visível — disse Merval, acrescentando que a instituição quer ser aquela que representa cada vez mais a diversidade.
Já Martha Ribas, consultora de conteúdo do Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL) e da Bienal do Livro, destacou que a literatura brasileira está enchendo salões e “movendo corações”, referindo-se ao sucesso de eventos como a bienal, que tem levado milhares de leitores ao Riocentro desde a última sexta-feira, “numa verdadeira festa da leitura”. Por outro lado, disse ela, há o surgimento de um número cada vez maior de novos escritores: 30 mil autores, por ano, estão lançando livros fora do mercado tradicional.
Além de Merval Pereira, Martha Ribas e Lucas Padilha, o segundo painel contou com a participação de Rui Campos, proprietário da Livraria Travessa, representando o mercado livreiro.
Matéria na íntegra: https://extra.globo.com/rio/noticia/2025/06/caminhos-do-rio-protagonismo-do-rio-na-literatura-e-tema-discutido-em-seminario.ghtml
23/06/2025