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ABL na mídia - Agência Notícia do Acre - A Economia Verde e a Valorização dos Ativos Florestais em Diálogo com Ailton Krenak

 

Sua crítica aponta para a ilusão do progresso ilimitado e a desconexão da humanidade com os ciclos naturais, aspectos que, segundo ele, nos levaram a crises ambientais e sanitárias. A obra sugere que o planeta não precisa ser “salvo”, mas sim respeitado, e que o verdadeiro desafio está na nossa capacidade de romper com uma lógica econômica que trata a natureza como uma mercadoria. Neste contexto, esta resenha crítica busca aprofundar o diálogo com Krenak, analisando sua obra à luz da economia verde e da valorização dos ativos florestais, como créditos de carbono e produtos da sociobiodiversidade amazônica. A partir dessa perspectiva, discute-se como os povos indígenas e as populações tradicionais da Amazônia – ribeirinhos, seringueiros, babacueiros, quilombolas e outras comunidades – podem ser protagonistas de um novo modelo econômico que respeite seus saberes e a integridade dos ecossistemas.

A crítica ao modelo econômico predatório e a economia verde como alternativa

Krenak denuncia a concepção mercantilista da natureza, que a reduz a um estoque de recursos a ser explorado em nome do crescimento econômico. Ele argumenta que essa visão instrumental nos conduziu a um estado permanente de crise, em que as soluções propostas – como a economia verde – muitas vezes funcionam apenas como um “adiamento do colapso”. Como o autor expressa:

“A ideia de que a natureza é uma coisa que pode ser servida para nós já devia ter sido desconstruída.”

Esse pensamento se aplica à tentativa de transformar a natureza em capital financeiro por meio da precificação de ativos ambientais, sem questionar as raízes estruturais do problema.

Por outro lado, a economia verde pode representar uma alternativa válida se for estruturada de maneira que transcenda a lógica extrativista. O mercado de carbono, por exemplo, tem potencial para remunerar comunidades amazônicas pela preservação florestal, mas deve ser acompanhado de salvaguardas socioambientais para garantir que os benefícios não sejam capturados apenas por grandes investidores e intermediários financeiros. O desafio está em fazer com que tais mecanismos realmente fortaleçam a autonomia dos povos indígenas e das populações tradicionais, evitando que a precificação da natureza se torne uma nova forma de colonização econômica.

A valorização dos ativos florestais e o papel dos povos indígenas e tradicionais

A valorização dos ativos florestais, como os créditos de carbono e os produtos da sociobiodiversidade (óleos, resinas, fibras, castanhas, frutos e plantas medicinais), pode ser uma estratégia eficaz para gerar renda sem comprometer a integridade ecológica da Amazônia. Essa abordagem reconhece que os povos indígenas e as populações tradicionais desempenham um papel essencial na conservação da biodiversidade, não apenas por habitarem essas áreas, mas por suas práticas sustentáveis de manejo dos recursos naturais.

No entanto, para que essa valorização ocorra de forma justa e efetiva, é fundamental que os mercados ambientais sejam construídos com base na governança comunitária e no respeito aos direitos territoriais dessas populações. Krenak adverte sobre o risco de o capitalismo “reverdecer” sem mudar sua lógica exploratória, apenas criando novas formas de exploração da natureza e dos povos que historicamente a protegem. Exemplos concretos mostram que um modelo diferente é possível. O Projeto Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado (Reca), em Rondônia, é uma iniciativa bem-sucedida de bioeconomia comunitária, na qual agricultores familiares e populações tradicionais desenvolvem sistemas agroflorestais que geram renda sem desmatar. Da mesma forma, iniciativas de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) no Acre e no Pará já demonstraram que o mercado pode ser estruturado para beneficiar as comunidades locais, desde que seja acompanhado de políticas públicas adequadas.

Os desafios da governança climática

Embora a economia verde e os mercados ambientais possam trazer benefícios, há desafios significativos na governança desses mecanismos. Muitos projetos de créditos de carbono enfrentam obstáculos como a falta de padronização de metodologias, dificuldades na certificação e altos custos de transação, que frequentemente excluem as comunidades que mais precisam dos benefícios financeiros. Além disso, o reconhecimento da governança comunitária nos processos de tomada de decisão ainda é limitado. Em muitos casos, povos indígenas e populações tradicionais não são consultados adequadamente na formulação de políticas ambientais e climáticas, apesar de sua importância na preservação das florestas tropicais. A implementação efetiva do direito ao Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI), previsto na Convenção 169 da OIT, é fundamental para garantir que essas populações possam decidir sobre o uso de seus territórios e participar de forma ativa na economia verde.

Construção de uma visão econômica ecológica integrada

O pensamento de Krenak nos convida a ir além da compensação financeira por serviços ambientais e a imaginar um modelo de economia ecológica que respeite os ciclos naturais e os modos de vida tradicionais. Ele sugere que a natureza não precisa de “salvadores”, mas de uma mudança de perspectiva que reconheça sua integridade como um sistema vivo, não uma fonte infinita de matéria-prima. Essa abordagem dialoga com princípios da bioeconomia de base comunitária, certificação socioambiental e mecanismos de governança que valorizam os conhecimentos tradicionais. Uma economia ecológica integrada não deve apenas gerar receitas com ativos florestais, mas promover a soberania dos povos indígenas e das populações tradicionais sobre seus territórios e conhecimentos. Como Krenak destaca:

“Quando a gente se dá conta de que a Terra não nos pertence, mas nós pertencemos a ela, começamos a repensar nossas ações.”

A transição para esse modelo requer a construção de políticas que combinem inovação tecnológica e respeito aos saberes ancestrais, garantindo que a economia verde não seja um novo ciclo de exploração, mas sim um caminho para a regeneração ecológica e social.

A crítica de Ailton Krenak ao modelo econômico predominante nos desafia a repensar a relação entre sociedade e natureza, superando a lógica extrativista que sustenta o capitalismo global. Embora a economia verde e a valorização dos ativos florestais possam oferecer oportunidades para uma transição sustentável, elas não serão suficientes se não forem acompanhadas de uma mudança estrutural na forma como a natureza e os conhecimentos tradicionais são reconhecidos.

Casos como o Projeto Reca e os PSA na Amazônia mostram que uma economia baseada na regeneração ecológica e na valorização da floresta em pé é viável, desde que construída de forma participativa e alinhada às necessidades das comunidades locais. O pensamento de Krenak reforça que o futuro não pode ser comprado, negociado ou adiado indefinidamente. O verdadeiro desafio está na construção de uma economia que não apenas valorize a floresta, mas reconheça os povos indígenas e as populações tradicionais como protagonistas de um novo paradigma econômico e ambiental.

O amanhã, como ele afirma, não está à venda – e a nossa tarefa é aprender a viver em harmonia com um planeta que não pode mais ser tratado como mercadoria.

Matéria na íntegra: https://agencia.ac.gov.br/a-economia-verde-e-a-valorizacao-dos-ativos-florestais-em-dialogo-com-ailton-krenak/

10/02/2025