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Despedidas recentes, de Olivetto a Maguila

 

Não consegui escrever minha coluna domingo passado. Já tinha, na semana anterior, tentado entender a morte precoce de Washigton Olivetto, fazendo um flashback com a morte de Glauber Rocha, amigo de que sinto falta terrena até hoje.

Mas a semana passada, três mortes me fizeram pensar mais ainda na nossa condição de finitude inexorável.

Primeiro foi Vladimir Carvalho. Cineasta fundamental para a existência do Cinema Novo e, consequentemente, para existência do cinema moderno brasileiro. Vladimir morreu aos 90 anos, vítima das consequências de um infarto, mas cumpriu, lindamente, seu ciclo vital.

Depois veio a morte, racional, de meu amigo Antonio Cicero. Uma morte que acabou sendo um gesto político, que colocou na agenda a questão sobre o controle que devemos ter sobre nossa vida e nossa morte. Um suicídio assistido que talvez para mim seja melhor traduzido como um suicídio educado. Os suicídios, muitas vezes, são decisões que, se não forem por ímpetos desesperados, podem provocar um sentimento de culpa naqueles que os amavam e, por alguma razão, não percebíamos que precisavam de ajuda. Cicero fez da sua morte um manifesto filosófico, nos fazendo pensar na dignidade de viver e morrer. 

Uma terceira morte foi a de Maguila. Nunca o conheci. Mas o fato de ele ter doado seu cérebro para o estudo do que acontece com alguém cuja profissão foi levar soco na cara também me pareceu poderoso.

Três mortes, totalmente distintas entre si, mas igualmente significantes. Vladimir cumpriu seu ciclo vital; Cicero nos fez pensar que a qualidade de uma vida lúcida é um tema que devemos pensar sem preconceito; e Maguila foi vítima generosa da profissão que o fez feliz, se colocando à disposição para que a ciência possa saber mais o que acontece com nosso cérebro depois de tanta porrada.

A gente adora ignorar que a vida é finita. Mas uma das maiores sabedorias é entender que a finitude é o que nos faz tentar fazer que nossas vidas devem ser vividas — e valer a pena. Morrer jovem é horrível. Morrer tarde demais pode nos fazer deparar com uma solidão insuportável. Mas não morrer nunca pode ser o pior dos castigos. Sermos mortais é talvez o que nos faz querer mudar o mundo.

Como fiquei atrasado, essa semana também fomos testemunhas da morte de Arthur Moreira Lima. Pianista fora da curva que poderia ser um concertista milionário se decidisse focar em sua carreira internacional. Em vez disso, resolveu que seu lugar era aqui, no Brasil. Fez a ponte entre o clássico e o popular como ninguém. Nos fez redescobrir outro gênio brasileiro, Ernesto Nazareth. E ainda inventou um caminhão-concerto que, generosamente, ajudou a todos nós a entender que o que é bom deve ser compartilhado.

Chego ao fim em um artigo sobre mortes diversas e impactantes, mas querendo dizer que nossas vidas valem a pena, mesmo sabendo que elas são finitas. 

O Globo, 03/11/2024