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Verissimo pediu um vinho, derrubamos três - não sabíamos que era nosso último encontro em Paris

 

Há uma foto, entre milhares, que desesperado procurei estes dias. Foi feita numa certa manhã da viagem de um grupo de escritores brasileiros a Israel. Na Galileia, terra de São Pedro, o apóstolo mais próximo a Jesus. Provavelmente anos 1980. Ali estão Rubem Fonseca, Affonso Romano de Sant’Anna, Luis Fernando Verissimo e eu. Rubem morreu em 2020, aos 94 anos. Affonso em março deste ano, aos 87 anos. Verissimo no dia 30 de agosto, agora, aos 88 anos.

Testemunhas dessa foto foram Lucia, mulher de Verissimo, Marina Colasanti, mulher de Affonso, e Marcia, minha mulher. E como único vivo daquele grupo, trouxe insights desses percursos que tanto fazíamos, nós escritores, pelo Brasil e mundo.

Desta viagem guardo uma declaração de Rubem Fonseca, no momento em que fomos a uma floresta, para plantar um árvore em Israel. Cerimônia simbólica para cada visitante. Ao plantar a sua, Rubem começou sua fala com uma frase espantosa. “Sou um dendrolata.” Muito depois soubemos. É quem pratica o culto das árvores. Me humilhou. Eu, que escrevi Não Verás País Nenhum. Já Affonso Romano foi quem descobriu, à beira de um lago, um camelô que fazia suco de romã delicioso. Nunca tínhamos tomado, delícia de mil e uma noites em terras judaicas.

Cada viagem, um momento. Tempos depois, em Paris, nos reunimos em um final de tarde com Fernando Eichenberg, o Dinho, correspondente de O Globo na cidade. Função invejável. Primeiro, fomos, com Lucia e Verissimo, Marcia e Rita, minha filha, a uma galeria de arte no Boulevard Saint- Germain – reduto de Sartre, Simone, Camus –, vizinha à casa de Dinho, onde estava sendo exibida uma raridade da literatura mundial, ao menos para minha geração. O imenso rolo de papel no qual Kerouac tinha datilografado seu On the Road, culto da literatura beat. Sobre ele, disse Bob Dylan: “Este livro modificou minha vida”. Ficamos horas contemplando aquele mítico original que tanto nos encantou na juventude. Foi um mito, mas não influenciou minha geração, nos debruçamos sobre o Brasil. E Verissimo, mais do que ninguém.

Em seguida, agora com Marina Colasanti e Affonso Romano e Dinho, caminhamos no início da noite pelo Boulevard Saint-Germain, até um pequeno restaurante de esquina, Chez André, que nos pareceu acolhedor. Mal nos sentamos, o garçom anunciou: “Temos hoje os primeiros aspargos da primavera. Irresistível. Pedimos, como não. Verissimo, enólogo, pediu um “Savigny-lès-Beaune 1er Cru”. “Magnum”, advertiu. Derrubamos três, não sabíamos que era nosso último encontro em Paris.

Daquele grupo de escritores, resta eu. Recuso-me a partir antes de terminar meu novo romance, Risco de Queda, sobre o envelhecer. E sem ver minha neta Antonia crescer.

Estadão, 07/09/2025