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Repetindo o que não deu certo

 

O Congresso Nacional deixou a máscara cair (máscara?) e chantageia o governo de maneira explícita, ameaçando não aprovar o pacote fiscal devido às exigências do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino para liberar as emendas parlamentares. Os R$ 50 bilhões definidos pelos próprios parlamentares para suas emendas somam uma quantia absurda, especialmente num momento em que o país aguarda medidas para equilibrar a economia.

Além do crescimento do PIB acima do esperado pelo mercado, podendo chegar a 3,5% neste ano, do crescimento do emprego e da menor quantidade de população “nem nem” (não trabalham nem estudam), o IBGE anunciou que caíram ao nível mais baixo desde a série histórica iniciada em 2012 a pobreza e a extrema pobreza. São notícias a comemorar. Seria o momento ideal para que o governo decretasse um pacote de corte de gastos que lhe desse credibilidade diante dos cidadãos e do mundo financeiro.

Ao contrário, o presidente Lula fez questão de explicitar sua dificuldade de conter os gastos do governo. Usa os bons números atuais para reafirmar sua convicção de que os gastos sociais são mais importantes que a contenção fiscal. Trata-se de um engano, pois há também sinais de que o futuro não é tão promissor quanto sugerem os avanços alcançados. O crescimento da economia sem uma reforma estrutural deverá levar à alta da inflação e, em consequência, ao aumento da taxa de juros. Já há quem divise uma taxa de 15% ao ano em 2025, num esforço radical do Banco Central para deter a inflação.

O futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo, terá de enfrentar as pressões petistas para cumprir seu mandato, enquanto o governo perderá a desculpa de que a alta dos juros é fruto de uma conspiração. Já vivemos situações semelhantes em governos petistas, como em 2010, quando Lula exagerou nos gastos, garantiu crescimento artificial de 7,5% do PIB, elegeu Dilma Rousseff como sucessora e viu a situação se deteriorar antes do fim do mandato. A tal ponto chegamos que o PT teve de aceitar colocar Joaquim Levy para tentar consertar a economia.

Mas, como parece acontecer agora, os governos petistas nunca estão dispostos a conter gastos — “gasto é vida”, dizia a presidente Dilma —, e a deterioração da economia acabou levando a seu impeachment por artifícios contábeis. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não se alinha à ala desenvolvimentista do PT, que não vê obstáculos econômicos para projetos sociais, mesmo que seja advertida pela realidade de que, ao final, os mesmos pobres que eles dizem querer defender saem mais prejudicados quando a economia se descontrola.

Não é do DNA petista a contenção de gastos. Tanto que o aumento da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil foi incluído como adendo extemporâneo no anúncio do pacote. Ele deveria ser de redução e acabou se transformando na revelação de que o governo Lula não consegue cortar gastos correntes, mas, no máximo, espera que uma revisão dos programas sociais — o “pente-fino” — revele desvios que economizem migalhas. Esse procedimento deveria ser feito rigorosamente de maneira periódica, e não significa corte.

No primeiro governo, Lula tinha a seu lado o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, com força política para garantir a continuidade da política econômica anterior, do governo Fernando Henrique. Hoje, não há quem enxergue no entorno de Lula auxiliar capaz de contrariá-lo, deixando-o sozinho para decisões delicadas. Sua tendência é considerar que os números atuais são bons porque ele insistiu nos projetos sociais, sem olhar para o futuro. Ou melhor, olhando para um futuro em que os números são sempre bons, rendendo-lhe votos. Essa percepção é que faz os operadores financeiros temerem o futuro, pois não houve reforma estruturante que permita manter esse crescimento sem ser artificialmente.

O Globo, 05/12/2024