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Partidos revigorados

 

Há luz no fim do túnel. O cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas no Rio, considera questionável a tibieza dos partidos políticos brasileiros, que venho criticando, como uma das causas do empobrecimento de nossa democracia. Em pesquisa sobre os impactos das reformas na legislação eleitoral e partidária de 2017, com a criação do fundo eleitoral, o fim das coligações nas eleições proporcionais e a cláusula progressiva de desempenho, que desenvolve em colaboração com Matheus Cunha, cientista político da Universidade Federal de Pernambuco, procura demonstrar que não apenas a fragmentação partidária “diminuiu drasticamente”, como também a lealdade e disciplina partidárias “aumentaram vertiginosamente”.

No trabalho, que apresentarão no Congresso da Internacional Political Science Association – IPSA (Seoul, julho 2025), mostram que o principal mecanismo que explica esse aumento de disciplina partidária foi a migração de parlamentares infiéis, que costumavam estar filiados a partidos menores, para partidos maiores e mais disciplinados. Ao chegar nesses partidos mais estruturados e mais hierárquicos, esses parlamentares tradicionalmente infiéis não tiveram outra alternativa do que se comportar de acordo com as preferências dos seus respectivos líderes para ter acesso a recursos políticos e financeiros controlados pelos líderes. Para eles, portanto, as reformas de 2017 já proporcionaram efeitos virtuosos para o sistema partidário, diminuindo a hiper fragmentação (hoje o número de partidos efetivos é o mesmo que existia durante o governo Fernando Henrique Cardoso, 9, avaliam) e aumentando a disciplina interna.

O fato de os partidos que fazem parte da coalizão do governo Lula não cooperarem com o governo não significa que os partidos sejam frágeis, mas “muito pelo contrário”, que os partidos se fortaleceram. O problema, para Carlos Pereira, é que o presidente Lula gerencia mal a sua hiper coalizão fazendo com que “a grande maioria numérica não se traduza em maioria substantiva pró-governo”. O estudo explica que a reforma eleitoral de 2017 produziu dois resultados conectados: a redução na fragmentação partidária e o fortalecimento dos partidos políticos no Congresso, principalmente em termos de disciplina no comportamento legislativo.

Para atingir o primeiro objetivo, as cláusulas de barreira, um mínimo de apoio eleitoral exigido para a sobrevivência partidária, têm o objetivo de eliminar pequenos partidos, conhecidos como “partidos de aluguel” devido ao comportamento fisiológico em relação aos acordos eleitorais e recursos públicos. Outra consequência vem dos incentivos institucionais refeitos pela reforma, mais especificamente à prioridade dada aos líderes partidários. Num ambiente em que o financiamento das campanhas eleitorais é centralizado e coalizões eleitorais são proibidas, os membros de um partido que queiram ser viáveis eleitoralmente precisam ser confiáveis à sua liderança para ter acesso às fontes de financiamento e às estratégias partidárias, não apenas na campanha, mas durante os trabalhos legislativos.

Os autores constatam que, no sistema partidário brasileiro fragmentado, estão ausentes as condições que criam uma verdadeira lealdade partidária, que não vem apenas de incentivos estratégicos ou poder dentro da organização, mas de laços profundos com grupos da sociedade e esforços sustentáveis para desenvolver perfis ideológicos claros. Por isso; os autores de referem sempre à “lealdade partidária” em vez de “coesão” ou “disciplina”, porque entendem que ser um “partido coeso”, implicando unidade espontânea, ou “disciplinado”, significando uma “união forçada” são faces da mesma moeda: lealdade às diretivas da liderança.

 

O Globo, 08/06/2025