Não é apenas no Brasil que a Corte Suprema de Justiça, aqui denominada Supremo Tribunal Federal (STF), está envolvida em disputas de poder e perde a credibilidade sempre que assume posições identificadas como políticas pela opinião pública. A Suprema Corte dos Estados Unidos, depois de diversos escândalos de ministros flagrados recebendo presentes ou remuneração indireta de milionários amigos, teve que divulgar um novo código de ética de condutas para seus “justices”, como são chamados os ministros.
Por trás do aparente consenso entre eles, há uma disputa acirrada entre os juízes liberais e a maioria conservadora, que acredita que as regras enfraquecem a Suprema Corte diante da opinião pública, e que a intenção dos que as defendem é meramente política, ainda mais agora que Donald Trump retorna ao poder com uma composição majoritariamente conservadora na Suprema Corte.
O jornal The New York Times revelou conversas internas entre os juízes mostrando divergências sensíveis entre eles, e uma constatação: as novas regras não são obrigatórias, já que não há força acima da Corte Suprema para obrigar os “justices” a cumpri-las. O juiz Neil M. Gorsuch, por exemplo, acha que medidas adicionais para obrigar os juizes a cumprir o código de ética podem minimizar a força da Corte, prejudicando suas independências. Os juízes Clarence Thomas, cujos presentes e viagens de luxo durante anos financiados por um amigo bilionário levantaram a discussão ética na Corte, e Samuel Alito, que faleceu num resort particular de um amigo, onde participava de uma caçada, sempre foram contrários às exigências.
Assim como no Brasil não há nenhum órgão que possa analisar decisões de ministros do Supremo, nem mesmo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que supervisiona as instâncias inferiores da Justiça, também nos Estados Unidos os ministros da Suprema Corte não se submetem a nenhuma instância judiciária. Também nos Estados Unidos o consenso entre os juízes é mais ligado ao corporativismo do que a uma posição unânime. Prefere-se manter a aparência de união para conservar a força política da instituição.
Mesmo durante o longo período em que o código de ética estava sendo debatido, muitas vezes em público devido a novas revelações sobre a promiscuidade entre ministros e doadores conservadores bilionários, os “justices” continuaram recebendo presentes e benesses. Não apenas conservadores, mas também os liberais. A ministra Ruth Bader Ginsburg, já falecida, foi a Israel a convite de um bilionário que havia sido beneficiado um ano antes de uma decisão da Suprema Corte.
O presidente da Corte Suprema, John Roberto Jr. resistiu o quanto pode, e apenas três juizes apoiaram a constituição de um órgão que obrigasse o cumprimento das regras éticas: Sottomayor, Kagan e Jackson. O novo código foi divulgado, mas não há quem obrigue os ministros dos Estados Unidos a cumpri-lo. Aqui no Brasil, temos tido diversos problemas em torno da ética entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), e a questão central é a mesma: os componentes da mais alta Corte judiciária não admitem serem fiscalizados, e se unem corporativamente quando são criticados.
Com uma diferença crucial: no Brasil, o Supremo tem uma ação muito mais direta e frequente na política interna do que nos Estados Unidos, onde decisões como a da permissão do aborto, que deixou de ser nacional para ser de governos locais são raras, embora cruciais. O Supremo entre nós tem posição fundamental na disputa entre os poderes da República, e hoje é acusado de estar em parceria com o governo Lula para reduzir o poder do Congresso conservador.
Ao contrário dos Estados Unidos, onde a maioria conservadora ajudará o novo governo de Trump, aqui no Brasil a tendência progressista do Supremo é tida como a principal arma da situação contra a oposição de Bolsonaro e seu grupo. Em ambos os casos, a atuação vista como política pela opinião pública só faz perder a credibilidade daquela instituição fundamental para a manutenção da democracia.