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Falta de convicção

 

Nossa situação política é tão incerta que qualquer especulação ganha ares de verdade. Achar que a aparição do ministro da Fazenda Fernando Haddad em cadeia nacional, para anunciar corte de gastos, seria uma maneira de o governo lançá-lo como possível candidato em 2026 à presidência da República caso Lula não concorra, demonstra que a parte forte do pacote de corte de gastos foi mesmo o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda, por paradoxal que seja.

Foi justamente por isso que o dólar bateu os R$ 6,00, mexendo com os nervos do mercado financeiro. Um governo que anuncia aumento de gastos junto com medidas que supostamente cortarão esses gastos para equilibrar as finanças não sabe o que faz. Além de reafirmar a tendência para um populismo que é a marca registrada do PT. Fernando Haddad não é um populista, e tentou evitar essa confusão de objetivos, mas foi vencido pelo presidente Lula e a ala mais populista do PT, temerosos de que o corte de gastos se transformasse em arma contra o governo. A falta de convicção foi sentida pelo mercado.

Não anteviram, num erro primário, que a prioridade que transpirou do pacote seriam os gastos populistas, não a necessidade de equilibrar as finanças do país. Nenhuma das medidas anunciadas são equivocadas, só a mistura de gastos com cortes. Se não fosse a intromissão do aumento de gastos, o pacote de cortes do governo seria mais bem recebido, mesmo que as críticas quanto à insuficiência das medidas continuassem.

Não estou otimista quanto à aprovação de todas as medidas do ministro Fernando Haddad ainda nesta legislatura. Ficou muito em cima, acredito que a decisão vai para o ano que vem. A proposta é também muito vaga. Seria bom se aprovassem, porque é um primeiro passo, mas com apenas três semanas para discussão, acho complicado. Exige muito debate, tem muita coisa discutível e polêmica. Parlamentares com certeza vão querer mudar. Vai haver muita resistência da oposição, e o governo não tem maioria; não sei se o Centrão vai fechar com tudo.

O apoio dos presidentes da Câmara e do Senado é importante, mas eles, apesar de o tema ser sensível, já demonstraram que não tratarão do aumento da isenção do Imposto de Renda antes que fique provado que será compensado pela taxação dos mais ricos. Esse ponto acabará consumindo muito debate interno, com lobby de todo o jeito atuando nos bastidores do Congresso. O próprio ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu aos banqueiros com quem se reuniu voltar ao tema dentro de meses, se for preciso. O que significa que não está convencido de que o pacote é definitivo.

A inflação terá que ser controlada através da alta dos juros, e voltaremos ao círculo vicioso que impede o país de crescer. Lula parece ansioso para atingir seus objetivos, como se esse fosse seu último mandato. Se tivesse calma, poderia aproveitar o próximo ano para equilibrar as finanças e entrar em 2026 com o país pronto para um crescimento sustentável. Mais do que nunca terá que obter resultados, pois a oposição continua forte, apesar dos pesares. Na eleição de 2022, em que derrotou Bolsonaro, Lula era oposição a um governo que terminara de maneira controvertida. Agora, terá essa massa antipetista sequiosa de revanche, sem se abalar com os fatos que vêm sendo revelados.

O Globo, 01/12/2024