A recusa do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino em rever detalhes de sua decisão sobre o pagamento das emendas parlamentares, mudança solicitada pela Advocacia-Geral da União (AGU), fez aumentar o clima de revolta entre os parlamentares, que se recusaram a dar quórum para o início do debate da reforma tributária na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
As prioridades do Congresso não são as mesmas do país — reforma tributária, pacote fiscal, corte de gastos, entre outros. Como está em jogo a disputa para as presidências da Câmara e do Senado, a maior preocupação dos deputados e senadores é agradar aos eleitores — dentro do Congresso, não os nacionais, que os elegem. Há muito pouco tempo para aprovar tudo o que precisa — faltam dez dias para o recesso.
Os agrados aos eleitores têm diversas facetas, e são de públicos particulares. A PEC (Proposta de Emenda Constitucional) das Praias, que já voltou para ser votada, só movimenta os que têm interesse direto em investimento ou empreendimentos turísticos. Mas parece que será aprovada, apesar de a opinião pública já ter se manifestado contra.
Este é o nosso problema: os interesses particulares de senadores e deputados estão acima dos interesses da nação. Sabemos como o Congresso funciona. Os congressistas têm na mão um objeto de desejo do governo — a aprovação da reforma tributária e o pacote fiscal — e a vontade de não ser tão transparentes quanto exige o ministro Flávio Dino em relação às emendas.
Já imaginava que haveria problemas para a aprovação do pacote fiscal. O tempo é curto até o fim do ano, e a fome dos parlamentares por verbas não é saciada facilmente. Será uma luta que mostra bem a nossa situação política. Um Congresso de oposição, com interesses próprios e R$ 50 bilhões em emendas, que deveriam ter entrado nos cortes do governo. O governo não tem como recuar, porque as regras definidas por Dino foram aprovadas por unanimidade pelo plenário do Supremo. E o Congresso fica em cima dele, porque acha que há conluio entre STF e governo para barrar interesses personalistas no Parlamento. A ação da AGU teve a intenção de mostrar aos parlamentares que não há esse conluio, mas não convenceu.
É uma disputa de poder e espaço que não sei como se desenrolará, mas é uma situação previsível e desagradável. O Legislativo pode interferir no Orçamento, mas não ignorar o plano central do governo. O eleito para governar o país foi Lula, não Arthur Lira, presidente da Câmara, nem Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. O Congresso pode ser contra o governo — então derrota o pacote fiscal —, mas não pode fazer chantagem para ganhar vantagens, posição inconcebível numa democracia equilibrada.
Para complicar mais as coisas, as hostes extremistas de direita no Senado colocaram o nome de Dino com prioridade na lista dos ministros do Supremo passíveis de impeachment, alguns até à frente do ministro Alexandre de Moraes, até há pouco inimigo número um (poderá voltar a ser, pois, para mobilizar a opinião pública, é mais fácil acusar um ministro do STF de perseguição política do que de barrar interesses pessoais de parlamentares).
De qualquer maneira, o ambiente hoje no Congresso é mais favorável a um recrudescimento do sentimento de polarização política que de pacificação, levando a reforma ministerial a ser a única solução para apaziguar os ânimos, pelo menos momentaneamente. O que dificulta é outra disputa interna, desta vez no PT. A substituição de Gleisi Hoffmann na presidência do partido mexe com as alas mais à esquerda, que acusam o candidato preferido de Lula, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, de querer levar o partido para o centro. Gleisi foi taxativa: seria um suicídio do PT.