Foi há uns 20 anos. Paulo Goes, fotógrafo carioca, fundador da Banda de Ipanema, criador da expressão "Devagar, quase parando" e com invencível histórico de levantamento de copo nos botequins de Ipanema, conseguiu, não sem árdua luta, parar de beber. Com isso, viu-se de repente com mais horas vagas por dia do que estava habituado. Para piorar, com a multidão de amadores munidos de celular fotografando a si mesmos, a extinção dos profissionais da fotografia, como ele, parecia iminente.
Para aproveitar o tempo e faturar algum, Paulo qualificou-se para vender de porta em porta a Encyclopaedia Britannica impressa. Com tantos amigos intelectuais e que falavam inglês, não podia dar errado. Mas deu. Não só todos já tinham a coleção como, podendo acessá-la agora pela internet, queriam se livrar dela para ganhar espaço —um deles, eu. E era muito espaço a ganhar: 24 volumes em grande formato e papel bíblia e, como brindes, o Webster Dictionary em três sólidos volumes e um Atlas gigante. Tomavam um metro e meio de estante. Para onde mandar tudo isso? Para um sebo, não?
Sim e não. Todos os sebos a quem ofereci minha Britannica (de graça, claro) a recusaram. Alegavam já ter pelo menos dez delas ocupando quilômetros de suas prateleiras, ao lado de outras coleções impressas que as pessoas estavam lhes despejando: os quatro volumes do "Lello Universal", os 13 das obras adultas de Monteiro Lobato, os 18 do "Tesouro da Juventude", os 19 da Enciclopédia Barsa, os 32 da "História Universal", de Cesare Cantu, e os 44 fascículos de "Gênios da Pintura" da Editora Abril. Não podiam aceitar mais nenhum.
Ao entrar hoje em qualquer sebo, você verá, nas prateleiras mais altas, quase exigindo uma escada Magirus para serem alcançadas, diversas dessas coleções, encalhadas desde então. Todas agora cabem, juntas, num reles celular.
Que eu saiba, o querido Paulo nunca conseguiu vender uma Britannica. Para ele, o mundo estava mesmo devagar, quase parando. E, em 2012, parou de vez.