O GLOBO - 10.10.2001
O diplomata, economista, acadêmico, ex-embaixador, ex-ministro, ex-senador e ex-deputado Roberto Campos foi um dos expoentes do pensamento liberal no Brasil. Exerceu mandato parlamentar durante 16 anos, acumulando essa função com uma extensa produção intelectual, em que defendeu sempre a liberdade total de mercado, a redução absoluta do Estado e uma privatização radical.
Dono de vasta cultura e de uma coerência que o fazia respeitado inclusive por seus adversários ideológicos, ele dizia, nos últimos tempos, que ficava feliz com o fato de não ser mais uma voz solitária em suas pregações liberais.
Ao assumir, em outubro de 1999, a cadeira 2 da Academia Brasileira de Letras (ABL), surpreendeu ao se definir não como um liberal, mas como um liberalista, "como Mário Henrique Simonsen e José Guilherme Merquior". E explicou: para ele, liberalista é um homem que é liberal não só em política, mas também em economia, e que vê no governo um mal necessário. E que, às vezes, é totalmente necessário.
Em outro momento marcante dos últimos anos de sua vida, a festa que comemorou seus 80 anos, em abril de 1997, no Copacabana Palace, afirmou que a História tinha demonstrado que Adam Smith, economista inglês que foi o primeiro teórico do mercado, ganhara de Karl Marx. Mas, disse Campos, o fato de que suas idéias liberais tenham sido vencedoras neste fim de século não fazia com que ele saboreasse integralmente a vitória sobre seus adversários. Lamentou que, na entrada do terceiro milênio, o Brasil ainda estivesse longe de pertencer aos clube dos ricos. Mas - ressaltou - isso se devia não ao imperialismo, ao capitalismo ou a forças ocultas. Para ele, o Brasil era subdesenvolvido por sua própria culpa.
Nascido em 17 de abril de 1917, em Cuiabá, Mato Grosso, era filho de um diretor de escola. Seu pai morreu quando ele tinha 5 anos. Sua mãe, que teria sido ludibriada na partilha de uma herança, trabalhou como costureira para sustentar o filho e a irmã, Catarina. Mais tarde, foi para um seminário em Guaxupé, Minas Gerais, para onde sua família se transferiu. Estudou também teologia em Belo Horizonte, mas desistiu de ser padre. Posteriormente diria: "Menos mal. Não daria um bom religioso por causa da rebeldia intelectual".
Tomou o caminho do Itamaraty e, mais tarde, obteve um posto na seção comercial da embaixada nos Estados Unidos, onde estudou economia na Universidade George Washington (pós-graduando-se em Harvard e em Columbia, também nos Estados Unidos). Como diplomata, participou da criação da Organização das Nações Unidas (ONU), do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird), hoje Banco Mundial.
De volta ao Brasil na década de 50, colaborou com Getúlio Vargas na criação da Petrobras e com Juscelino Kubitschek na formulação do Plano de Metas. No regime militar, foi ministro do Planejamento de Castello Branco. Após sete anos como embaixador em Londres, iniciou em 1982 a carreira parlamentar, passando pelo Senado e pela Câmara.
Roberto Campos, que se casou com Stella e teve três filhos e cinco netos, morreu às 20h de ontem, em seu apartamento em Ipanema. A causa foi infarto agudo do miocárdio, segundo informou o médico Roberto Zani. Em fevereiro do ano passado, Roberto Campos sofreu um derrame e passou vários dias internado. Três meses depois ele voltou ao hospital, para fazer uma cirurgia de emergência de hérnia umbilical. Em julho deste ano, um princípio de pneumonia levou o economista novamente a ser internado na Clínica São Vicente, na Gávea.
O corpo do senador será velado hoje de manhã na Academia Brasileira de Letras. O sepultamento está marcado para 15h no mausoléu da ABL, no Cemitério São João Batista, em Botafogo. Na quinta-feira, a academia realiza a sessão da saudade, quando os acadêmicos homenagearão Campos. Para o presidente da ABL, Tarcísio Padilha, ele foi um político e um pensador moderno dos mais importantes do nosso tempo.
- Ele foi um profeta de fatos que viriam a acontecer mudando radicalmente o panorama político e econômico mundial - observou.
Emocionado, o ministro do Trabalho, Francisco Dornelles, lamentou a perda do amigo:
- Campos foi o maior expoente do pensamento liberal que o Brasil conheceu. Viveu toda a vida pensando no bem comum. Ocupou todos os postos que alguém pode ocupar no setor público, e em todos os lugares deixou uma marca profunda de seu trabalho e personalidade. O Brasil morre um pouco com ele. Ele vai continuar muito vivo na história do Brasil e na memória de todos os que o conheceram.
Um grande frasista
"Aliás, como alvo de personalismos injuriosos, ganhei todos os campeonatos desta pátria amada"
"Também não me iludi com o totalitarismo de esquerda por um raciocínio simples. Deus não é socialista"
"E tudo se passa como se autoritarismo fosse uma exótica perversão somente acontecida no Trópico de Capricórnio"
"No Brasil, tivemos um autoritarismo encabulado"
"Estamos ainda longe demais da riqueza atingível, e perto demais da pobreza corrigível. Minha geração falhou"
Roberto Campos
Economistas falam
"Campos teve tempo de observar uma transição importante: sua saída da posição de maldito para a de profeta. Ele deixou uma grande lição: quando não se concorda com o governo, é preciso criticar. Esta é a maneira de se ajudar o país."
PAULO GUEDES Economista da Faculdade IBMEC
"Ele foi o primeiro a dar prioridade ao combate à inflação. O Plano Real se coloca ao lado dos planos de estabilização feitos por Roberto Campos e Octávio Bulhões"
JOSÉ JÚLIO SENNA Economista da MCM Consultores e ex-diretor do Banco Central
"No início de sua carreira, Campos chegou a ser considerado um esquerdista. Foi quando ele participou da 1 Encontro da Confederação Internacional do Comércio, em Havana, em 1948. Com o tempo é que Campos passou a se identificar com o pensamento liberal"
MARCÍLIO MARQUES MOREIRA Consultor da Merrill Lynch e ex-ministro da Economia
"Há que se destacar a coerência de seu pensamento. Ele passou mais de 40 anos defendendo suas idéias. Mas, quando foi governo, não fez nada do que passou a vida pregando. A partir de 1964 ele deixou de ser liberal e virou um monetarista radical"
ALOÍSIO TEIXEIRA Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
14/06/2006 - Atualizada em 13/06/2006