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O universal imortal do Bom Fim

 

 Higino Barros

O Globo - Caderno Prosa e Verso (02.08.2003)

Abaixo-assinados, spots em emissoras de rádio e declarações de apoio da comunidade intelectual gaúcha fizeram parte da campanha pública em favor da eleição de Moacyr Scliar para a Academia Brasileira de Letras. Unanimidade no meio literário local, os gaúchos quiseram compensar com a eleição do médico-escritor, autor de 67 livros, a frustração que viveram, no início dos anos 90, com a recusa da ABL em permitir o ingresso do poeta Mário Quintana, hoje já falecido.

- Scliar seguiu à risca a máxima de que, ao falar de sua aldeia, um escritor pode se tornar universal - observa o poeta Armindo Trevisan, acrescentando: - Sua obra é permeada pela cultura judaica e dotada de humor. Nela também estão presentes sua visão humanista e a paisagem urbana de Porto Alegre, principalmente do bairro do Bom Fim. É aí que os gaúchos se reconhecem.

Moacyr Scliar nasceu no dia 23 de março de 1937, no hospital da Beneficência Portuguesa, em Porto Alegre. Seus pais, José e Sara Scliar, oriundos da Bessarábia (Rússia), chegaram ao Brasil em 1904. O filho mais velho do casal, que teve ainda Wremyr e Marili, desde pequeno, demonstrou inclinações literárias. O próprio nome Moacyr já é resultado dessa afinidade. Foi escolhido por sua mãe Sara após a leitura de “Iracema”, de José de Alencar, significando “filho da dor”. O escritor crê que “os nomes são recados dos pais para os filhos e são como ordens a serem cumpridas para o resto da vida”.

A obra do novo imortal da ABL já foi traduzida para 12 idiomas, tendo recebido alguns dos prêmios literários mais expressivos do país e do continente. Scliar já ganhou três vezes o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro; o Casa de Las Américas, de Cuba, e o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte. Em paralelo à sua condição de escritor, desenvolveu sua paixão pela medicina, tornando-se médico sanitarista.

Abaixo-assinado teve mais de oito mil assinaturas

A ex-secretária municipal de Cultura de Porto Alegre, Margarete Moraes, vereadora do PT, que organizou o abaixo-assinado em apoio a Scliar, obtendo mais de oito mil assinaturas, considera que, entre os escritores gaúchos contemporâneos, ele é quem mais encarna a capacidade literária do povo rio-grandense:

- Scliar para os gaúchos não é só o escritor que já tem o reconhecimento nacional e internacional. É também aquela pessoa que escreve textos em que cada um se reconhece. Daí a unanimidade em torno de seu nome - afirma Margarete.

Durante a campanha feita por emissoras de rádio da capital, um grupo de intelectuais gaúchos prestou depoimentos sobre a literatura do autor de “Saturno nos trópicos”. Entre eles, Luiz Fernando Veríssimo, Luiz Antônio Assis Brasil, Tabajara Ruas e João Gilberto Noll. Mas o movimento pró-Scliar não ficou restrito aos meio literário, atingindo outros setores. O governador Germano Rigotto (PMDB) enalteceu a obra e a figura humana do escritor, durante o lançamento do projeto do filme “O exército de um homem só”, baseado em livro do novo acadêmico.

- Scliar é a mais completa tradução da capacidade intelectual do povo gaúcho. É um orgulho imenso para todos nós tê-lo como representante do estado na ABL - disse Rigotto na solenidade.

A presença de Scliar na Academia tem um significado ainda maior para os gaúchos, por ser um autor que reside em Porto Alegre e pode ser encontrado em locais públicos da cidade, como o bairro do Bom Fim, a feira de antiguidades da Redenção ou jogando basquete na Associação Cristã dos Moços. Além disso, há cerca de 15 anos escreve no jornal “Zero Hora”, onde discorre sobre medicina, literatura e fatos do cotidiano.

- Cada leitor da obra do Scliar tem seu gênero preferido. Mas todos reconhecem nele, acima de tudo, seja na ficção, no ensaio ou na crônica, um estilo altamente humanista, que o torna dono de valores universais - teoriza seu colega de letras, Luiz Antônio Assis Brasil, para quem a ABL, ao aceitá-lo como imortal, fez justiça não só ao Rio Grande do Sul, mas também ao grande escritor que ele é, capaz de introduzir na literatura brasileira a contribuição que outros escritores de origem judaica deram à literatura mundial.

 

05/06/2006 - Atualizada em 04/06/2006