Mànya Millen
GLOBO (17.04.2001)
Com cheiro de infância e sabor de cana-de-açúcar, misturando ficção e memória, ele registrou, em 1932, através do romance "Menino de engenho" - hoje na 78ª edição - o seu nome no olimpo da literatura brasileira. Desde então, o paraibano José Lins do Rego, morto em 1957 de cirrose hepática, nunca esteve ausente de livrarias e escolas, num raro e feliz caso de escritor sobre cuja obra não assenta poeira, metafórica ou real. "Zélins", como era chamado pelos muitos e diletos amigos, nunca deixou de ser lembrado e reconhecido. Mas como o ano em que se comemora um centenário de nascimento é sempre um mote valioso para homenagens especiais, a Academia Brasileira de Letras inaugura hoje, às 17h, uma exposição e um ciclo de palestras sobre o autor de "Fogo morto", "Doidinho" e "Bangüê", que chegou ao mundo no dia 3 de junho de 1901, no engenho de Corredor.
Além disso, a ABL também homenageou José Lins, que em 1955 tornou-se imortal, com a criação de um prêmio literário, no valor de R$ 30 mil, para a melhor obra criada em torno do autor que escrevia guiado pelas emoções e pela memória, jorrando palavras da forma coloquial como elas lhe chegavam à cabeça, fazendo pouco do beletrismo. E em maio, durante a Bienal Internacional do Livro, a José Olympio, casa editorial que abriga toda a obra de José Lins desde 1934, lança "O menino que virou escritor", em que a premiada Ana Maria Machado faz uma pequena e poética biografia do autor, tomando como guia apenas a infância do menino cujo quintal foram os oito engenhos do austero avô, ao lado de quem foi morar depois da morte da mãe, apenas um ano depois de seu nascimento. Dirigida ao público infanto-juvenil, a obra vai ao encontro dos desejos de Elizabeth Lins do Rego, uma das três filhas do escritor, neste ano de centenário.
- É uma alegria enorme ver meu pai sendo festejado e lembrado em seus cem anos e o que eu mais quero é que ele tenha uma divulgação maciça junto às crianças - diz Elizabeth, que hoje faz conferências sobre a obra do pai e acha que identificá-lo apenas como regionalista é reduzir muito a dimensão de sua literatura. - Os jovens têm que vibrar com a obra dele, conhecer a vida dele, que foi fascinante. Ele era um participante da vida.
E o homem que fez de sua própria vida um espelho para sua obra é o fio condutor da mostra da ABL, casa em que José Lins entrou provocando alvoroço: ele recusou-se a elogiar, como manda a tradição, o antecessor de sua cadeira, Ataulfo de Paiva, porque este nunca havia escrito um livro.
Exposição na ABL prioriza imagens
Sob a curadoria de Stela Kaz, a exposição explora, através de muitas imagens, a influência do Nordeste, das bagaceiras dos engenhos, da família, dos amigos, das paixões diversas - incluído aí o futebol, esporte cultuado pelo flamenguista fanático - sobre a obra do autor de 12 romances, seis livros de crônicas, três de viagem, um para crianças ("Histórias da velha Totônia"), um livro de memórias ("Meus verdes anos"), além de textos de conferências.
- José Lins é muito autobiográfico e, relendo sua produção, percebi que ela sempre foi muito ilustrada, muitos livros chegaram a ser publicados em quadrinhos, inclusive - lembra Stela. - Então procuramos levar o espectador para os cenários de José Lins. Todas as paredes do saguão estão ocupadas por desenhos de grandes artistas, incluindo Portinari, que ilustraram as obras dele.
Os traços dos artistas misturam-se às fotos do escritor, de sua família e dos amigos, compondo um breve perfil do eterno menino de engenho.
Lançamento de selo comemorativo do centenário de José Lins do Rego
Criado o selo comemorativo do centenário de nascimento de José Lins do Rego. Renomados escritores brasileiros têm sido homenageados por meio dos selos postais emitidos pelos Correios. Com essa emissão, chega a vez de homenagear José Lins do Rego, uma das maiores figuras do romance regionalista nordestino e um dos principais representantes do Neo-Realismo no Brasil. Clique aqui.
07/06/2006 - Atualizada em 06/06/2006