Maior cirurgião do País já operou beldades brasileiras e internacionais
Márcia Vieira
RIO
Em julho de 1969, o guerrilheiro Carlos Lamarca, já procurado pelos militares, submeteu-se a uma cirurgia plástica em uma casa em Santa Teresa, no Rio. Reduziu o nariz, aumentou o queixo, tirou sulcos da testa. O cirurgião, Afrânio Azevedo, não sabia quem era o paciente. Procurado pelo médico Almir Dutton Ferreira, militante de esquerda, sabia apenas que era alguém da VPR, a Vanguarda Popular Revolucionária. O paciente internou-se com o nome de Paulo César de Castro. Profissão: cabeleireiro. Afrânio foi processado pela Justiça Militar.
Ivo Pitanguy, então já o maior cirurgião plástico do País, foi chamado para depor. E defendeu seu ex-aluno. Primeiramente, argumentou que ele poderia não conhecer a identidade do paciente. "E, para um cirurgião plástico, quando uma pessoa chega com nariz grande e pouco queixo, o natural é ele fazer a cirurgia. Se o sujeito vai ficar melhor, é o que interessa", conta. Afrânio foi liberado.
Essa história, porém, nao está em “Aprendiz no tempo”, autobiografia que Pitanguy lança na segunda-feira pela Nova Fronteira. Achou melhor não remexer tanto assim no passado, embora haja muitos registros e documentos sobre o episódio. Mas o livro traz excelentes histórias do homem que criou novas técnicas e virou referência mundial em cirurgia plástica. Aos 80 anos, Pitanguy continua operando três vezes por semana em sua clínica em Botafogo, zona sul do Rio. Toda semana, vai à Santa Casa, onde há 47 anos fundou o serviço de cirurgia plástica e reparadora para carentes.
Em sua extensa lista de cerca de 60 mil cirurgias, nunca aconteceu caso parecido com o de Lamarca, muito menos como o do traficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadía, que passou por várias cirurgias para mudar de rosto. "No caso dele, ficou horrível. Cirurgia para mudar alguém para pior não deve ser feita. E, além disso, tirar impressão digital é crime”, diz.
"As pessoas me procuram e pedem coisas que eu não vou poder atender. Ouço e tento ajudar de alguma forma. Não operando, mas encaminhando a tratamento psicológico, por exemplo." A última moda é boca à Angelina Jolie, carnuda, exuberante. "A Angelina é uma mulher bonita, mas da boca eu não gosto. Fazer boca grande com enchimento fica feio. A boca polpuda fica bonita quando os traços combinam uns com os outros."
Em aprendiz do tempo, além de contar a infância em Belo Horizonte, os estudos no Rio, Estados Unidos, França e Inglaterra, Pitanguy descreve casos que passaram pelo seu consultório, mantendo sempre o sigilo sobre o nome do paciente, gerlamente famoso. Ele não conta, mas se sabe que já operou Sophia Loren, Gina Lollobrigida, Ursula Andrews, o rei Hussein, da Jordânia, a imperatriz Farah Diba, a princesa Stéphanie de Mônaco, o piloto de Fórmula 1 Niki Lauda, além de celebridades tupiniquins, como Sônia Braga, Glória Pires, Vera Fischer, Marta Suplicy e por aí vai.
Seu ícone de beleza é a amiga Tônia Carrero. "Ela é linda e se manteve bonita ao longo dos anos porque sabe viver com equilíbrio cada fase da vida." Nos 45 anos de funcionamento da clínica, Pitanguy já ouviu de tudo. Houve uma época em que a paranóia das mulheres era tirar o culote, o excesso de gordura nas coxas. Ele inventou até técnica especial. "Eu não sei o que surgiu primeiro: o jeans ou o culote", brinca. O fato é que as mulheres só começaram a se preocupar com isso quando o jeans entrou na moda.
Hoje a grande procura é pelo rejuvenescimento facial. "A lei da gravidade é implacável. Mas o que podemos fazer é atenuar os traços da idade." Pitanguy acredita que, com a evolução das pesquisas com células-tronco, será possível permanecer jovem por muito mais tempo. "A primeira utilidade da pesquisa de célula-tronco para a cirurgia plástica seria a substituição de órgãos, a melhora nas condições da pele e minimizar os efeitos da idade com uma célula nova. No futuro imediato, nós poderemos realizar o antigo sonho da juventude eterna.”
Um dos capítulos mais impressionantes do livro é o que narra o incêndio do Gran Circo Norte-Americano, em 17 de dezembro de 1961, em Niterói. Cerca de 500 pessoas morreram e centenas ficaram feridas. Pitanguy montou uma equipe de médicos em Niterói para os primeiros socorros. "Ainda hoje soam em meus ouvidos os gemidos e os lamentos das vítimas", lembra.
Para o cirurgião não há diferença entre um paciente que precise de cirurgia reparadora, caso dos queimados, daquele que recorre ao bisturi por pura vaidade. “O sofrimento é muito semelhante. O importante é proporcionar bem-estar ao paciente. Quando eu criei o Serviço na Santa Casa, eu quis ‘deselitizar’ não só a cirurgia reparadora como também a estética.”
No livro, conta algumas das suas regras básicas para uma carreira bem-sucedida. Ensina, por exemplo, que "o cirurgião deve desconfiar dos modismos". "O paciente pede o nariz da Elizabeth Taylor, mas, quer também tudo o que acompanha aquele nariz. "Milagre, o cirurgião não faz. Nem mesmo Ivo Pitanguy.
O Estado de S. Paulo (SP) 24/11/2007
25/11/2007 - Atualizada em 25/11/2007