João Cabral de Melo Neto é um dos mais importantes poetas da nossa literatura. Foi também diplomata. Com um senso de humor afiado na vida real e uma consciência política clara na sua poesia, criou uma obra que aborda questões do cotidiano e aposta mais no trabalho árduo com palavras e estrutura do que em inspiração lírica.
Costumava dizer que não escrevia em português e sim em pernambucano. O escritor conta no episódio dessa semana do podcast “Conversas Imortais” que não tinha o hábito de ler suas obras em línguas que ele mesmo conhecia.
“A tradução da minha obra para línguas que eu conheço, eu simplesmente não leio, entende? É para não ter raiva. Eu não leio também porque eu não entendo, mas eu as acho lindas. Agora a língua que eu não sei ler, eu simplesmente leio, é muito mais bonito, compreende? Há pouco tempo uma pessoa me perguntou o que é correr uma casa. Em Pernambuco, é um termo corrente: “vou correr uma casa, vou correr um apartamento”. É você visitar casa para saber se é para alugar ou para comprar.”
O episódio pode ser escutado na íntegra no canal do Youtube da ABL, pelo link: https://www.youtube.com/watch?v=_IyVLTisfCM&list=PLTiS_hpoRW5iQY-H9kOBgUGJBSy1191cW&index=3, e nos principais aplicativos de áudio, como Spotify, Amazon Music e Deezer, entre outros. O início da sua trajetória na escrita se deu com seu pai, consultor jurídico da Associação Comercial de Pernambuco. Um dia, um funcionário dele, que vivia no meio literário, observou em João o interesse pela literatura.
Em 1942, João publicou seu primeiro livro de poesia.
“Eu não tinha dinheiro para pagar uma edição em uma gráfica no Recife. O Gilberto Freyre tinha publicado um livro chamado Olinda, o guia de Olinda, num papel muito bonito de luxo. Me sugeriram usar a sobra de papel do livro dele, o que deu 50 exemplares de luxo que eu poderia vender e cobrir os custos da impressão do livro.”
O escritor ainda fala sobre a geração de 45, que começou a escrever depois da guerra e de pessoas que quiseram fazer dela um movimento literário, após o modernismo ter passado por uma fase destruidora.
“A geração de 45 é uma geração que veio depois de Carlos Drummond de Andrade, Manoel Bandeira, Schimidt, Murilo Mendes e outros. Geração não é clube de futebol, entende? Você nasce inserido nela, porque nasceu num ano e fica condicionado por certos acontecimentos históricos. É que certas pessoas quiseram fazer da geração de 45 um movimento literário, um clube literário, então expulsavam sujeitos da geração de 45. Contra esse sentido de geração de 45 é que sou. Da geração, mas não como escola literária a qual pertencem uns tantos com determinadas ideias.”
Sobre o podcast
“Conversas Imortais” compila, em cada episódio, trechos dos depoimentos de vida que os Acadêmicos gravam quando se elegem, que fazem parte do arquivo Múcio Leão. Alguns deles têm mais de quatro horas, que foram editados para 40, 50 minutos, onde se ouve o melhor de cada depoimento daqueles que marcaram a literatura e a cultura no Brasil e se conhece melhor suas influências, opiniões, gostos e até mesmo algumas excentricidades. E aí se entende por que a memória e o legado dessas pessoas continuam imortais.
14/11/2024