O veterano cineasta vai devotar seu 2007 a filmar dois documentários sobre o maestro Tom Jobim
Rodrigo Fonseca
Só na juventude, quando começou a desbravar as obras de Graciliano Ramos e Jorge Amado, Nelson Pereira dos Santos viveu rodeado de tantos livros quanto os que o cercam agora. Em um 2006 em que levou o Prêmio Faz Diferença por ter sido o primeiro cineasta a entrar para a Academia Brasileira de Letras, o diretor teve de encontrar um novo ritmo de leitura.
Compromissos de acadêmico já começam a ocupar os raros momentos em que o diretor de longas-metragens essenciais à cinematografia nacional como “Vidas secas” (1963) e “Memórias do cárcere” (1984) não está idealizando projetos para filmar.
— A minha eleição para a ABL, na verdade, foi um pretexto da Academia para prestar uma homenagem ao cinema brasileiro e reconhecê-lo como uma atividade importante para a nossa cultura — diz o diretor, que este ano ainda ganhou o título de doutor honoris causa da Universidade Federal da Bahia. — Conquistas como essa me dão muita energia para continuar.
Desde que assumiu a vaga antes ocupada pelo embaixador Sérgio Corrêa da Costa, morto em 2005, o diretor de “Rio 40 graus” (1955) — filme que engajou o audiovisual brasileiro na reflexão social, servindo de embrião para o Cinema Novo — já idealizou, por exemplo, um prêmio para filmes nacionais que operem com matérias-primas literárias. Já o sonho de filmar a vida do poeta Castro Alves, que ele tenta há anos viabilizar, é uma ambição que ganhou só após sua imortalização via ABL.
— Tenho a honra de ter concorrido à cadeira da ABL que pertenceu a Castro Alves. Fazer um filme sobre ele é uma obrigação. Falta é dinheiro — diz o cineasta de 78 anos, que este ano voltou às telas com “Brasília 18%”, o 18 longa de sua carreira. — Meu filme teve uma carreira curta no circuito brasileiro e uma recepção morna de crítica. Mesmo assim, ele me trouxe muitas alegrias depois de ter sido convidado para festivais internacionais como os de Tribeca, em Nova York, e o de Karlov Vary, na República Tcheca, que sempre tratou bem o cinema brasileiro.
A notícia de que estaria en$os destaques da cultura do ano no GLOBO surpreendeu o diretor ao saber que concorreu com os filhos do cineasta Joaquim Pedro de Andrade — Antônio, Alice e Maria, responsáveis por um penoso trabalho de recuperação e preservação da obra do pai — e com o cineasta Marcelo Gomes, diretor de “Cinema, aspirinas e urubus”. Pereira dos Santos diz que compartilha sua vitória com esses seus “colegas de cinema”.
— O trabalho dos filhos de Joaquim é importante por relembrar o passado do cinema brasileiro e resgatar a obra de um cineasta que refletiu intensamente sobre a nossa realidade. Já o Marcelo Gomes merece o reconhecimento por sinalizar o futuro do cinema. Ele está ligado a uma geração de realizadores pernambucanos que têm consolidado novos parâmetros de qualidade para uma cinematografia tão diversificada quanto a nossa. Outro nome do Recife que merece destaque é o Claudio Assis. Fiquei muito feliz quando soube que seu novo filme (“Baixio das bestas”) venceu o Festival de Brasília. Assis tem muito talento — elogia.
Para 2007, Pereira dos Santos já tem uma missão: tirar do papel os dois documentários que planeja filmar sobre o maestro Tom Jobim. O primeiro se chama “O homem iluminado”, e retrata o músico na visão de amigos e parentes.
— Será um retrato afetivo, nos moldes dos filmes que fiz sobre Sérgio Buarque de Holanda. Já em “A música segundo Tom Jobim”, pretendo dar conta da carreira dele e de sua relação artística com o Rio, com a natureza e com as mulheres.
O Globo (RJ) 28/12/2006