Portuguese English French German Italian Russian Spanish
Início > Noticias > A dor dos amigos

A dor dos amigos

 

O GLOBO (07.08.2001)


Fernando Henrique Cardoso
“O Brasil perdeu hoje um de seus maiores intérpretes. O legado de Jorge Amado transcende uma obra que por sua riqueza e densidade é o exemplo vivo do que pode o espírito humano em suas mais elevadas criações. Os personagens que criou se tornaram tão ou mais conhecidos e reais do que seu autor. Que maior glória pode ter um escritor? A língua de Jorge Amado é um português que seduz todos os cinco sentidos, cheio de cores, sons, perfumes, sabores e texturas. A lição que nos deixa Jorge é a de um combatente, de alguém que sempre esteve a favor da justiça, ao lado dos oprimidos; um criador que teve a coragem de pintar o Brasil em suas cores reais para a partir delas propor sua utopia. O Brasil perde hoje esse homem. Seu legado, entretanto, é a herança de que nos orgulhamos todos.Jorge, sentiremos sua falta.”


Nélida Piñon (escritora)
“Era um grande brasileiro. Um dos maiores romancistas do Brasil, grande narrador de histórias. Criou seu feudo, sua nação baiana, que povoou de arquétipos. Conseguiu em sua obra a feliz associação entre sua imaginação e os instintos narrativos do país.”


Antonio Candido (crítico)
“Para mim pessoalmente, a morte do Jorge Amado me faz lembrar da minha adolescência, dos anos de 1933, 34, 35, em que nós recebíamos os livros dele como grandes revelações do Brasil que ignorávamos.”


Tarcísio Padilha (presidente da ABL)
“Na modernidade, foi o primeiro escritor a exportar a literatura brasileira para o mundo. Foi traduzido em escala planetária e abriu as portas para a literatura do país. Havia uma identificação dele com a alma popular. Isso explica o êxito de sua obra por mais de três gerações de leitores. Por outro lado, era um homem com uma sadia ironia, tanto que escreveu sobre a Academia, tendo-a criticado em ‘Farda, fardão, camisola’, o que prova sua coragem e autenticidade.”


Wilson Martins (crítico)
“Considero Jorge Amado o escritor mais representativo do grupo dos romancistas nordestinos dos anos 30. Foi certamente o escritor brasileiro contemporâneo mais popular, de maior penetração no mundo todo. Sua carreira tem fases diferentes, passando pela saga da região do cacau, influenciado mais tarde pela ideologia política e social. Seu grande sonho sempre foi ser o escritor do povo. E ele conseguiu.”


Stella Caymmi (mulher de Dorival Caymmi)
“Jorge era nosso padrinho de casamento, mas não estivemos com ele recentemente. É difícil falar alguma coisa neste momento. Estamos sentindo muito, muito abalados. Caymmi ficou muito quieto, não quer falar.”


Waly Salomão (poeta)
“É como se estivesse perdendo um pai. Jorge Amado nos inventou. A Bahia, como conhecemos, sai das páginas de Jorge Amado de uma forma que não sabemos o que é real e o que veio da ficção dele. Ele é uma Sherazade macho e sua imensa obra são as ‘Mil e uma noites’ brasileiras.”

Eduardo Portella (presidente da Biblioteca Nacional)
“Perco um amigo. Jorge era o narrador do imaginário popular brasileiro. Com ele acaba o grande escritor cívico, aquele que entregou a sua biografia à cidadania, o militante da esperança. Ele acreditava na virtude do ato de escrever. É o fim da era do escritor virtuoso e o começo da era do escritor virtual.”

Dorival Caymmi*

Enquanto morei na Bahia, até os 24 anos, nada sabia sobre Jorge Amado. Em 38, vim morar no Rio. Caminhando pelas ruas do Centro, fomos apresentados. Eu morava na Rua São José e ele sempre andava na quadra onde ficavam o Café Nice e o café Belas Artes. Ficamos amigos. Uma vez, ele me flagrou com uma foto da Stella Maris, hoje minha mulher. Convidou-nos para um almoço na Urca. Até pouco tempo atrás tinha fotos desse almoço. Depois começamos a nos encontrar na ABI e a amizade foi ficando mais forte. Um dia me veio a idéia de musicar um trecho de “Mar morto”. A frase “É doce morrer no mar/nas ondas verdes do mar” ficava girando na minha cabeça. Quando fez sucesso, as pessoas brincavam: “Doce nada, Dorival, morrer no mar deve ser salgado pra burro”. Acompanhei Jorge em seus sofrimentos. Era uma vida de classe média pobre. A amizade era a nossa riqueza. Mas também o acompanhei nas alegrias, nas noites do Cassino Atlântico quando eu cantava e ele aparecia por lá. Cantar, ele não cantava um tostão. O negócio dele era a prosa e a política. Na política, vivia tentando me envolver, cheguei a subir em palanque. Nosso contato começou a rarear quando, nos anos 60, ele saiu de Copacabana e foi morar na Bahia. Aí, só nos víamos quando eu ia a Salvador visitar minha família. Guardei na memória o último dia em que o vi: eu recebia uma homenagem da prefeitura de Salvador e ele estava lá. De ontem para hoje muitas pessoas me ligaram e perguntaram se eu já sabia que ele morreu. Respondi que fiquei muito balançado, mas já estava preparado. Ele estava muito mal e agora vai poder descansar.
(*) Em depoimento ao repórter Arnaldo Bloch

 

 Jornal do Brasil    - (08.08.2001)


A morte do mais popular escritor brasileiro foi registrada por jornais de todo o mundo. ''Adeus, Jorge Amado, e obrigado por nos ter ensinado a conhecer um Brasil diverso, colorido, multirracial e universal'', afirmou o jornal La Repubblica, de Roma, num artigo intitulado ''O trovador da velha Bahia parte para sua última viagem''. Para o The New York Times, ''numa nação em que impera o futebol, o Sr. Amado, que publicou seu primeiro romance aos 19 anos, foi chamado de o Pelé da palavra escrita''. Em Buenos Aires, o El Clarín estampou na sua primeira página: ''O pai de Dona Flor disse adeus''.

De Madri, o escritor peruano Mário Vargas Llosa lamentou a morte de Jorge Amado, para ele ''um dos grandes escritores do nosso tempo, que tornaram o mito brasileiro conhecido nos cinco continentes''. Vargas Llosa explicou que sempre lembraria do escritor brasileiro com gratidão ''pela amizade e generosidade'' com que foi recebido na Bahia na época em que fazia pesquisas para seu livro Guerra no fim do mundo. ''Ele conquistou o mundo inteiro com seu grande humor, seu amor pelas mulheres, pela comida e pela Bahia.''

Em Lisboa, o Prêmio Nobel de Literatura José Saramago classificou a morte de Amado como ''uma perda enorme'': ''O fato de seus livros terem sido traduzidos para cerca de 50 idiomas mostra claramente a projeção de sua obra e a grandeza de sua pessoa. Jorge Amado era muito humano e cordial. Conservo as melhores lembranças dos dias em que estivemos juntos, em Salvador e em Paris.''

Não foram apenas os intelectuais, mas também chefes de Estado que, no exterior, renderam homenagem a Jorge Amado. O presidente da França, Jacques Chirac, declarou que nele ''a vida e os livros correspondem a um mesmo combate, o da liberdade e da dignidade de todos os homens, em particular dos humildes e dos oprimidos, a respeito dos quais desde sua juventude compreendeu a situação e os sofrimentos''. Sua obra, disse Chirac, ''era particularmente apreciada na França, à qual estava unido pela amizade, desde que foi acolhido em Paris durante seu exílio.''

Também para o primeiro-ministro francês, Lionel Jospin, o escritor ''ao lado do povo brasileiro, soube iluminar com força e lirismo suas facetas contrastantes''. Disse a nota divulgada por Jospin: ''Forçado, devido a a suas posições corajosas, a ir para o exílio nos anos 40, foi sobretudo graças ao seu trabalho como escritor que serviu aos lutadores que povoam seus romances.''

Já o primeiro-ministro de Portugal, Antonio Guterres, preferiu lembrar que o baiano ''marcou várias gerações de leitores e contribuiu para a difusão da língua portuguesa no mundo''. Mario Soares, ex-presidente de Portugal, viu em Amado ''uma das grandes figuras do nosso idioma''.

Em Manágua, Sergio Ramírez, ex-dirigente sandinista e atualmente escritor de sucesso, disse que Amado soube transformar a atmosfera de Salvador, na Bahia, ''num universo clássico, como a Macondo de Gabriel García Marquez''.

No jornal francês Le Monde, o escritor e jornalista Jean Soublin lembrou que ''muitos autores brasileiros antes de Amado tinham defendido os negros (...), mas em Jubiabá, em 1935, ele põe um africano como personagem principal, o que ocorre quase que pela primeira vez no país''. Para o Le Monde, o que Amado disse aos brasileiros ele também explicou aos estrangeiros, e essa é uma outra vertente de sua popularidade: ''O Brasil há 200 anos faz um grande esforço para tornar sua literatura conhecida. Ele, nesse sentido, teve um sucesso extraordinário''.

 

14/06/2006 - Atualizada em 13/06/2006